Uma experiência incrível de voluntariado com tartarugas marinhas na Costa Rica
Pura vida, caçadores ilegais e cartéis de droga
Pura vida
Durante o meu tempo na Costa Rica, tive a oportunidade de fazer voluntariado com a Turtle Trax, uma organização que protege tartarugas marinhas da espécie Olive Ridley nalgumas praias de Guanacaste - Corozalito, San Miguel, Costa de Oro e Bejuco através de projectos comunitários.
No meu caso, fiquei alojada na praia de San Miguel, uma pequena povoação a duas horas e meia do hospital mais próximo, e tive a oportunidade de visitar a praia de Corozalito e a vila piscatória de Bejuco. Aqui, a época das tartarugas marinhas vai de junho a dezembro. Esta espécie em particular põe ovos aos 10-15 anos (cerca de 100 de cada vez) e vive até aos 50.
À noite, os voluntários percorrem a praia em busca de tartarugas a desovar em San Miguel. Depois, os ovos são retirados do ninho e colocados numa espécie de incubadora onde ficam todos os ninhos, sendo que as crias demoram cerca de 60 dias a desovar. Quando desovam, as tartarugas são levadas até à praia para fazerem o seu caminho até ao mar. Este ano, o projecto protegeu cerca de 120 ninhos e quase 10 mil crias.
Uma mãe tartaruga a regressar ao mar na praia de San Miguel.
A zona de incubação. Os ninhos que têm uma rede verde são os que têm mais de 45 dias e, portanto, estão próximos da desova.
Tartarugas bebés a serem libertadas na praia de San Miguel (podem ver as marcas que deixam no areal).
Mas o melhor desta experiência foram mesmo as pessoas. Éramos 12 mulheres entre os 23 e os 70 e poucos anos a viver numa casa linda mesmo em cima da praia de San Miguel, o que foi uma experiência inesquecível. Desde caminhar à noite a ver estrelas cadentes no céu, até trocar livros, conselhos e experiências de vida com as minhas duas companheiras de quarto que tinham mais de 70 anos, até tentarmos manter afastados os guaxinis que rodeavam a casa à noite à procura de um sítio onde pudessem entrar para remexer no lixo, até vermos cowboys na vida real, até nadar no mar do Pacífico com as minhas duas companheiras que amam água com ondas grandes tanto quanto eu (apesar de haver um rio mesmo ao lado da praia com crocodilos que, por vezes, passam do rio para o mar...).
Ri muito durante estes dias que registo entre os mais felizes da minha vida e tenho a certeza que jamais vou esquecer esta experiência.
A vista incrível da nossa sala aberta no piso de cima da casa.
A beleza pura da praia de San Miguel (zero resorts e quase nenhum turismo).
Um grupo de vacas a ser conduzidas por dois cowboys (como assim existem cowboys na vida real?).
Um dos animais mais "selvagens" da Costa Rica - a cadelinha adoptada pela cozinheira da Turtle Trax (estava grávida e todos os cachorros foram para adopção).
Uma iguana preta a tentar impressionar uma fêmea que estava no meio dos troncos e um caranguejo eremita (havia imensos nas praias desta zona, principalmente em Coyote e Corozalito). Apesar destes caranguejos viverem em conchas, eles não as criam, vão pegando em conchas emprestadas e trocando à medida que crescem.
Caçadores ilegais
Numa das noites em que patrulhávamos a praia de San Miguel à procura de tartarugas a desovar, vimos uma luz vermelha (a que se usa normalmente com as tartarugas, porque a luz branca é demasiado forte) muito ao fundo da praia. Quando lá chegámos, vimos que havia na areia marcas de uma tartaruga ter saído da água, posto um ninho e voltado ao mar. O ninho estava vazio e havia uma mão humana ao lado.
Infelizmente, isto não é caso único. Há muitos caçadores ilegais nestas praias porque não são protegidas. Sim, isto é uma das contradições da Costa Rica que, apesar de ser um país que se preza pela sustentabilidade e proteção ambiental não considera como território protegido estas praias de desova de tartarugas. Chamar a polícia não resolve nada, porque eles não querem saber. Além disso, os ovos de tartaruga são algo cultural na Costa Rica. São vendidos a cerca de 10 dólares cada 6 ovos e são usados para cozinhar mas, sobretudo, são usados crus em bares para fazer bebidas alcoólicas porque, supostamente, são afrodisíacos.
Há uma espécie de “respeito” (acho que esta não é a melhor palavra, mas não encontrei nada melhor) entre a Turtle Trax e os caçadores. Ou seja, quem encontra um ninho primeiro fica com ele. Quando os voluntários começam a medir uma tartaruga e retiram os ovos os caçadores não vão ter com eles e, quando um caçador está a roubar os ovos, não fazemos nada porque seria demasiado arriscado. Enfim, foi uma noite triste.
Cartéis de droga
À noite, ouvíamos muitas histórias do Sinaloa cartel, um cartel Mexicano que começou a expandir a sua atividade para a Costa Rica. Na verdade, quando a Turtle Trax começou a trabalhar aqui trabalhavam em mais uma praia, muito isolada. Uma noite, os voluntários que patrulhavam a praia viram aterrar um pequenos avião a voar a baixa altitude e com as luzes desligadas. Quando o avião aterrou na praia, saíram de lá homens com metralhadoras que lhes disseram que sabiam exactamente quem eles eram e o que estavam a fazer na praia e que, se não saíssem de lá imediatamente, seriam mortos. Se voltassem a trabalhar ali, seriam mortos. Ora, os voluntários ligaram à coordenadora do projecto que arranjou forma de os tirar de lá e a organização nunca mais voltou a trabalhar naquela praia que, tivemos oportunidade de espreitar, e é bastante isolada. E este não foi o único incidente nesta zona com o mesmo cartel. Na verdade, este cartel é o maior inimigo do governo da Costa Rica, tendo em conta que o país vive do turismo e não tem exército. Aqui fica um artigo recente sobre o assunto.
Mas, apesar disso e dos caçadores, nunca me senti insegura e repetiria a experiência sem pensar duas vezes. Foram cinco dias muito intensos, recheados de momentos que nunca vou esquecer.
Pôr do sol na praia de San Miguel.