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Um mês de voluntariado com tartarugas marinhas na Grécia

Caretta caretta

Nota: Há uma tartaruga acabada de eclodir nesta fotografia.

É disto que tenho mais saudades. Acordar ainda de noite, seguir para as praias de Platanias e esperar o nascer do sol. Ver as cores do céu a mudar aos poucos e então sim, começar. Percorrer quilómetros de praia à procura das marcas das Caretta caretta na areia e, em Agosto, também das marcas das crias pelo areal.

 

Os primeiros dias

Research field station

Acampar durante cinco semanas em Creta a fazer voluntariado com tartarugas marinhas parecia-me tão interessante quanto assustador. Estive até à última para decidir que sim, que ia. E acho que só caí em mim quando cheguei ao local do parque de campismo de Chania, ilha de Creta, dedicado à organização, pousei as malas e comecei a montar a tenda. Só nessa altura me ocorreu que nunca tinha acampado na vida e que começar logo com trinta e sete noites seguidas podia ser uma péssima ideia.

Não precisei de esperar muito tempo para deduzir que devia ter pensado duas vezes nesta ideia de acampar durante várias semanas. Logo na primeira noite, vários fatores combinaram-se para não me deixar dormir. Junte-se uma tenda demasiado pequena, um colchão de ar desconfortável, a inexistência de almofada, um bar no parque de campismo com música até de madrugada e uma pessoa com dificuldades em adormecer. O resultado: dormi pouco ou nada nas primeiras noites.

Just get yourself a real pillow, disse-me um voluntário que passou pelas mesmas dificuldades. Uma hora depois estava na fila do Jumbo com a almofada mais confortável que encontrei.

E foi assim que uma almofada a sério se tornou na melhor compra daquelas cinco semanas.

Nos primeiros dias, os novos voluntários ainda não têm turnos. A partir daí, começam a ter um ou dois turnos por dia, nas praias a fazer morning survey ou no quiosque e hotéis a informar as pessoas e recolher fundos para a organização. Com o cansaço, passei a adormecer assim que me deitava no colchão de ar. E com o passar dos dias, começei a gostar da minha tenda pequena, dos duches exteriores, de tomar o pequeno-almoço ao ar livre, no meio dos gatos do parque e de jantar com o barulho das cigarras ao fundo.

 

Nesting season e hatchling season

Quando cheguei, em meados de Julho, estava a decorrer a nesting season. Ou seja, a época em que as fêmeas adultas vêm às praias durante a noite para fazer os ninhos. Todas as manhãs, a partir das 6, os voluntários percorrem quase quinze quilómetros de praia à procura das marcas que as fêmeas deixam na areia. Quando as identificam, escavam até encontrar um ovo para ter a certeza da localização do ninho. Voltam a cobrir o ninho e marcam-no com bambu.

Nascer do sol

Nascer do sol (2)

A recompensa de acordar às cinco da manhã – ver o nascer do sol. Praias de Platanias.

 

Cerca de cinquenta e cinco dias depois de um ninho ter sido posto nascem as crias. Com o avançar das minhas semanas na Grécia, o número de ninhos que encontrávamos foi diminuindo e as crias dos primeiros ninhos começaram a nascer (hatchling season).

Caretta caretta 2

O ideal é as crias eclodirem durante a noite, quando há menos predadores e a temperatura é suportável. Cada ninho tem entre 80 a 120 ovos e vai eclodindo ao longo de várias noites. Quando nascem, as crias seguem a luz mais intensa – a lua refletida no mar – mas com as luzes artificiais dos hotéis podem acabar na parte de trás da praia, em estradas, jardins ou mesmo piscinas. Quando isto acontece ficam mais expostas a predadores como cães e gatos.

Nesta fase, quando percorremos as praias procuramos marcas das crias na areia e seguimos cada uma. Tentamos perceber se foram para o mar ou se ficaram desorientadas pelas luzes e seguiram para o lado errado.

Encontrar crias de manhã é, por isso, agridoce. Quase sempre significa que ficaram desorientadas e, à medida que o sol se vai tornando mais forte, vão ficando desidratadas e fracas. Fazemos sombra, alisamos a areia à frente delas, sopramos-lhes para acordarem um bocadinho e esperamos que sigam para o mar. Ainda assim, há certamente poucas coisas tão gratificantes como ver algo tão pequeno e insignificante a cumprir o seu destino e enfrentar as ondas do mar.

Caretta caretta 3

Nesta fotografia é possível ver as marcas que as crias deixam na areia.

Nunca pegamos nas crias e as pomos no mar, apesar de termos surpresas desagradáveis quase todos os dias com turistas e locais que o fazem. As tartarugas são frágeis quando nascem e precisam de percorrer o caminho do ninho ao mar para fortalecer os músculos. Caso contrário, afogam-se. Além disso, as fêmeas fazem o imprinting do sítio onde nasceram para, daqui a trinta anos, voltarem ao local onde nasceram para pôr os seus próprios ninhos.

Dez dias depois de um ninho ter começado a eclodir, fazemos uma escavação. Procuramos o ninho, tiramos todos os ovos e contamos quantos eclodiram. Normalmente, as não eclosões são provocadas por vírus e bactérias.

Ovos de Caretta caretta

Os ovos de Caretta caretta são semelhantes a bolas de ping pong mas moles.

Não é sempre fácil convencer as pessoas a colaborar, sejam turistas ou locais. Nas praias pedimos que as espreguiçadeiras estejam arrumadas entre as 7 da noite e as 7 da manhã para as fêmeas e as crias terem espaço no areal. Parece algo tão simples mas há inúmeros hotéis e restaurantes que não cumprem. Também nos esforçamos para que as pessoas não pisem o local dos ninhos mas há até quem ache boa ideia escavar e tirar os ovos.

Mas se há algo mesmo difícil é convencer as pessoas a serem civilizadas com tartarugas bebés na praia. Infelizmente, tirar a fotografia perfeita é quase sempre o mais importante.

Praia Platanias

Uma das praias mais turísticas onde as Caretta caretta fazem ninho, em Platanias, pelas 10 da manhã.

 

Public awareness

Eleven years ago, we were camping at the beach and volunteering with sea turtles in Mexico.

Estávamos num hotel da zona de Platanias a informar as pessoas e a recolher fundos. Um casal aproxima-se com uma filha pequena no carrinho. Ele dispara perguntas sobre como está a ser a nossa experiência de voluntariado. Eu e dois voluntários ingleses respondemos divertidos. Não é costume perguntarem-nos pela nossa experiência. Ela explica que fizeram algo semelhante, no México, há onze anos atrás. A precisão temporal impressiona-me. Não foi há mais ou menos dez anos. Nem foi, como se diz tantas vezes, há muito tempo ou há uma vida. Foi há onze anos atrás, em 2005. Aquele ano ficou, para eles, marcado por aquela experiência.

Da mesma forma que, para mim, 2016 vai ser sempre o ano em que fiz voluntariado com tartarugas marinhas em Chania.

Além de hotéis, também tínhamos um quiosque no porto de Chania onde, além de informarmos as pessoas, vendemos alguns produtos com tartarugas marinhas.

Quiosque no porto de Chania

 O quiosque no porto de Chania.

 

As rotinas

Demorei alguns dias, uma semana talvez, a adaptar-me à vida no parque de campismo, e às pessoas. A partir daí, mantive-me feliz e contente na minha rotina. Acordar sempre cedo, mesmo quando não tinha de seguir para as praias de manhã, por causa do calor. Apanhar o autocarro para o quiosque em Chania, dizer “yassas” ao motorista e dar graças a Deus pela invenção do ar condicionado. Passar horas no quiosque com outro voluntário. Tentar aprender grego quando não aparece ninguém. Falar com pessoas simpáticas, derreter quando dizem um “thank you for what you do!” e esquecer rapidamente as pessoas pouco simpáticas.

Aprender grego

Tudo o que sei dizer em grego está neste papel.

Conhecer pessoas de outros países, principalmente de países frios, faz-me sentir a sorte de ter crescido num país com mar, praia e sol. Estranho sempre que alguém não veja um mergulho no mar como sinónimo de felicidade. E aproveitei todos os finais de tarde livres para nadar no mar Egeu.

Praia Chania

Praia de Chania

 A praia que fica a escassos minutos do parque de campismo. Em cima: durante a tarde. Em baixo: depois do pôr-do-sol.

 

Se quando cheguei havia muitos espaços vazios à volta da minha tenda, os voluntários foram chegando aos poucos e, rapidamente, nos tornámos trinta. Quase metade franceses, um alemão, duas irlandesas, um holandês, um polaco e os restantes ingleses.

Durante o dia, os turnos com diferentes horários fazem com que o acampamento esteja quase vazio. O jantar, às sete em ponto, é feito por dois ou três voluntários para todos e acaba por ser o único momento do dia em que estávamos todos juntos. Quase trinta pessoas de diferentes nacionalidades à volta de uma mesa era sempre um final de tarde marcado por conversas interessantes, que deixam saudades.

Passar tantas horas do dia, ao longo de semanas seguidas, com outras pessoas tem o efeito de se criarem amizades fortes muito depressa. O que é maravilhoso. Mas triste, sempre que chega a hora de alguém se ir embora. Nesses dias, íamos para a praia ver o pôr-do-sol ao final do dia. Esperem, não é verdade. Nesses dias, decidíamos que íamos ver o pôr-do-sol. Entre esperar que toda a gente estivesse pronta e chegar à praia, o que víamos era mais ou menos isto:

Pós pôr-do-sol

 O pós pôr-do-sol ou mais uma tentativa falhada de assistir ao pôr-do-sol.

 

Tornou-se uma piada recorrente dizermos que tínhamos de ir à praia para falhar o pôr-do-sol outra vez.

Na minha penúltima noite em Chania, fomos com antecedência e o Universo recompensou-nos assim:

Pôr-do-sol

Se sentirem vontade de participar num projeto de voluntariado e tiverem oportunidade de o fazer, não hesitem. O mais provável é que se torne numa das experiências mais marcantes da vossa vida e que a queiram repetir, uma e outra vez. Façam-no porque querem ajudar mas também porque são estas experiências que nos acrescentam.

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