Sobre as eleições
Estava a ler «Conversas com escritores» de Isabel Lucas quando se soube o resultado das eleições nos EUA. E estava, precisamente, a ler sobre os Estados Unidos pelas palavras de Paul Auster:
Os Estados Unidos são um país complicado, é impossível dizer apenas uma coisa em relação a este país. (...) As pessoas vieram para cá, e quem cá estava eram os índios, que, milhares de anos antes, também tinham vindo de outro lugar. Toda a gente aqui é imigrante ou escravo, que é outro tipo de imigrante, trazido à força. Inventar um país, que grande tarefa! É fundado em ideais dos mais importantes que os seres humanos alguma vez inventaram; os princípios da democracia, de uma sociedade igualitária, um avanço extraordinário do pensamento humano. Mas, ao mesmo tempo, apesar das belezas da Constituição Americana, é também um país fundado em dois enormes crimes: o genocídio dos indígenas e a escravatura durante trezentos e cinquenta anos. É obsceno! O que complica os Estados Unidos da América, e continua a ser um problema, é que as pessoas não querem enfrentar essas duas coisas.
(...)
Todos os presidentes, mesmo os piores, venceram eleições com base numa ideia de esperança para o futuro. Este homem está a governar de acordo com o Armagedão. Tudo é negro, violado. A filosofia da direita da antigovernação não faz sentido. A democracia são as pessoas e o Governo. Como se pode estar contra as pessoas? Parece tão racional, mas estamos a viver num país irracional. (...) Os Estados Unidos são isto: a minha liberdade, e não tenho de me importar com mais ninguém.
A entrevista foi dada na casa de Paul Auster, em Nova Iorque, em 2017, mas continua tão actual como nessa altura, infelizmente. Paul Auster faleceu em Abril deste ano.