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Ler, escrever e viver

Ler, escrever e viver

Separar o artista da arte: sim ou não?

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Durante muitos anos, a série juvenil de «As brumas de Avallon» esteve na lista de séries de livros que queria muito ler. Depois, bom, depois, perdi-me no rabbit hole que é a thread do reddit sobre a Marion Zimmer Bradley e mudei drasticamente de ideias. A série pode até ser genial mas a sua autora era, no mínimo, uma mulher perturbada, no máximo, devia ter sido presa por pedofilia. Podemos mesmo separar o artista da arte?


A HISTÓRIA DE MARION ZIMMER BRADLEY
Basicamente, anos depois da morte da autora, a sua filha acusou-a de ter abusado dela (e de outras crianças) durante muitos anos. Se, por um lado, muitos fãs da autora lhe apontaram o dedo por fazer acusações mal fundamentadas contra alguém que já não se podia defender. Por outro lado, a teoria de que a Marion é inocente de qualquer acusação tem demasiados buracos. A verdade é que o marido de Marion foi preso por ter tido relações com um rapaz menor e, durante esse julgamento a Marion disse isto enquanto testemunha:

Did you ever report this sexual relationship between your husband and a minor child to the police?
- Not to my knowledge.
(...)
So it was your personal opinion that a boy of 14 to 15 years old was old enough to make decisions about having sex with a 50-year-old man?
Yes, I was. I believe so.

Depois, como se este testemunho que está em domínio público não fosse mau o suficiente, a filha escreveu um poema designado «Mother’s hands», que é muito longo e do qual deixo um excerto:

I lost my mother late last year
Her epitaph I’m writing here
Of all the things I should hold dear
Remember Mother’s hands
Hands to strangle, hands to crush
Hands to make her children blush
Hands to batter, hands to choke
Make me scared of other folk
But ashes for me, and dust to dust
If I can’t even trust
Mother’s hands.

O que se segue no poema é bastante pior do que isto, mas acho que já perceberam a ideia.

 

SEPARAR O ARTISTA DA ARTE?

Compreendo o argumento de que a vida pessoal e profissional de um escritor possam ser separadas: a obra de um lado e o resto do outro. Mas eles não se interligam? Apesar de não ter lido (e não ir ler…) «As brumas de Avalon» tem personagens menores a ter relações com adultos. É certo que isto acontece num contexto diferente, mas será que Marion via as coisas assim? Será que, para ela, as fronteiras entre o que está correto numa ficção da idade média e no mundo real se esbateram, ou será que nem sequer existiam? Não é tudo aquilo que produzimos como arte (seja um livro, um filme ou um quadro) resultado, pelo menos em parte, de quem somos e daquilo em que acreditamos? Podemos mesmo separar a Marion que se sentava a escrever livros juvenis, daquela que (alegadamente) abusava dos seus próprios filhos?

Para mim não. Estaria a mentir se dissesse que deixei de ler/ver/ouvir todos os artistas que têm acusações, sejam elas quais forem, contra si. Tenho pensado nisto caso a caso. Mas o de Marion Zimmer Bradley é demasiado gritante, demasiado perturbador para conseguir ler os livros que escreveu. Podem ser excelentes mas dispenso qualquer vislumbre para a mente da sua autora.

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