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Ler, escrever e viver

Ler, escrever e viver

O ano do pensamento mágico de Joan Didion

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A vida modifica-se rapidamente.

A vida modifica-se num instante.

Sentamo-nos para jantar e a vida, como a conhecemos, acaba.

São estas as frases que dão mote ao livro «O ano do pensamento mágico» de Joan Didion, um livro que se tornou um dos mais conhecidos sobre o luto.

Uns dias antes do Natal de 2003, a filha de Joan Didion e do também escritor John Gregory Dunne adoeceu com uma pneumonia. Uns dias depois, John sofre um acidente coronário fatal. A filha do casal acaba por morrer uns meses depois de ter adoecido. Por isso, este é um livro duro sobre perda e sobre como lidar com a perda numa sociedade que procura, cada vez mais, evitar todo e qualquer tipo de sofrimento.

Philippe Ariès (…) observava que, com início por volta de 1930, se verificara na maioria dos países ocidentais e especialmente nos Estados Unidos uma revolução nas atitudes aceites perante a morte. «A morte», escreveu ele, «tão omnipresente no passado que era familiar, será apagada, desaparecerá. Tornar-se-á vergonhosa e proibida.»

Também Caitlin Doughty, no seu livro sobre como diferentes países lidam com a morte, explora esta ideia de que os países ocidentais se foram afastando cada vez mais da morte.

«O socioantropólogo inglês Geoffrey Gorer, descrevera esta rejeição do luto público como resultado da crescente pressão de uma nova «obrigação ética do prazer», um novel «imperativo de não fazer nada que possa diminuir o prazer dos outros».

(...)

O luto visível lembra-nos a morte, que é interpretada como antinatural, como uma incapacidade de gerir a situação.

Não só, mas também, com o crescimento das redes sociais, o que partilharmos uns com os outros tornou-se cada vez mais uma espécie de montra inspiracional. Mostrar refeições caras, viagens incríveis, momentos de descanso, prazer e felicidade tornou-se a norma. Cada vez mais, momentos tristes só cabem na esfera privada.

No seu livro «Wintering» (ou «Reiniciar» em português), Katherine May escreve sobre a pressão para transformarmos qualquer tipo de sofrimento em conteúdo inspiracional, e o mais rapidamente possível. 

Misery is not an option. We must carry on looking jolly for the sake of the crown. While we may no longer see depression as a failure, we expect you to spin it into something meaningful pretty quick. And if you can't pull that off, then you'd better disappear from view for a while. You're dragging down the vibe.

É sobre a depressão, mas podia ser sobre o luto, ou sobre qualquer outro tipo de sofrimento.

Que só então estivesse a iniciar o luto, foi coisa que não me ocorreu.

Até ali, só fora capaz de sofrer, não de andar de luto. Sofrer era um acto passivo. Sofrer acontecia. O luto, o acto de lidar com o sofrimento, exigia atenção.

Se, por um lado, vivemos numa sociedade em que o sofrimento se reserva cada vez mais para a esfera privada, por outro, também vivemos na era da produtividade, em que temos cada vez menos tempo para experienciar o sofrimento. Processar uma morte, uma separação, uma doença, um diagnóstico inesperado, o que for, exige um tempo que, muitas vezes, simplesmente não temos.

Mas temos música! No seu último álbum, «Subtract» Ed Sheeran conseguiu o facto muito pouco trendy de escrever um álbum inteiro sobre o luto (após a morte de um amigo) e a depressão. No documentário «The Sum Of It All» (Disney plus), Ed Sheeran fala bastante sobre como a experiência do luto significa o fim da juventude e sobre tudo o que levou à escrita destas músicas.

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