Grande Sertão: Veredas de João Guimarães Rosa
Quando vi no canal do youtube ler antes de morrer a leitura colectiva de «Grande Sertão: Veredas» de João Guimarães Rosa, não sabia nada sobre o livro ou o autor. Ao pesquisar percebi que este livro publicado nos anos 50 é uma história de amor entre duas personagens masculinas - Riobaldo e Diadorim - e decidi ler.
«Grande Sertão: Veredas» está escrito como uma conversa em que Riobaldo - personagem principal - que já está na velhice conta a história da sua vida. Riobaldo foi jagunço (os jagunços eram pessoas que trabalhavam na protecção a líderes políticos no sertão brasileiro) e teve um encontro marcante com Diadorim em criança. Anos mais tarde, os dois acabaram a ser jagunços no mesmo grupo e Riobaldo viveu (sempre) apaixonado por Diadorim.
Os olhos que ele punha em mim, tão externos, quase tristes de grandeza. Deu alma em cara. Adivinhei o que nós dois queríamos - logo eu disse: - "Diadorim... Diadorim!" - com uma força de afeição. Ele sério sorriu. E eu gostava, gostava, gostava. Aí tive o fervor de que ele carecesse da minha proteção, toda a vida: eu terçando, garantindo, punindo por ele.
Ao longo de todo o livro, Riobaldo vive atormentado pelo amor que sente por Diadorim, questionando-se sobre a dualidade entre Deus e o Diabo, o bem e o mal.
Vinha tanto tempo me relutando, contra o querer gostar de Diadorim mais do que, a claro, de um amigo se pertence gostar; e, agora aquela hora, eu não apurava vergonha de se me entender um ciúme amargoso.
É muito difícil escrever sobre «Grande Sertão: Veredas». O livro tem uma linguagem difícil porque João Guimarães Rosa criou muitos palavras, quase uma língua nova. É difícil atravessar as primeiras páginas, em que os acontecimentos se atropelam mas, a determinada altura, Riobaldo começa a contar a sua vida em ordem cronológica e tudo fica (ligeiramente) mais fácil. A linguagem é poética. E, sendo difícil, é um livro que entrega tudo aquilo que promete e muito mais.
O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam.
Além disso, este livro tem um dos finais mais extraordinários da literatura. Não é por acaso que consta em muitas listas como um dos melhores livros da literatura mundial. Clarice Lispector escreveu numa carta que: "É a coisa mais linda dos últimos tempos (...) O livro está me dando reconciliação com tudo, me explicando coisas adivinhadas, enriquecendo tudo (...) Acho a mesma coisa que você: genial. Que outro nome dar? Esse mesmo."
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Mais:
- Carta de Clarice Lispector para Fernando Sabino sobre Grande Sertão: Veredas
- Canal ler antes de morrer: resenha sem spoilers
- Vídeo curto da casa do saber
Tenham atenção que, ao pesquisar sobre este livro, é muito fácil ler spoilers sobre o final, por isso, se quiserem ler não pesquisem. Nenhum dos links acima tem spoilers.