Faca de Salman Rushdie: meditações na sequência de uma tentativa de homicídio
A história de Salman Rushdie é tão inacreditável que parece ficção. Em 1988, publicou um livro chamado «Os versículos satânicos» que continha uma versão de ficção da vida do profeta Muhammed e foi considerada ofensiva para o mundo Islão.
No ano seguinte, o líder supremo do Irão emitiu uma “fatwa”, ou seja, condenou Salman Rushdie à morte pela escrita e publicação do livro.
Durante os 10 anos que se seguiram, o escritor esteve sob protecção policial no Reino Unido durante 24 horas por dia e passou a usar o pseudónimo de Joseph Anton (uma mistura dos escritores Joseph Conrad e Anton Tchékhov que depois deu o título à sua autobiografia).
Só dez anos depois, em 1998, é que o Irão decidiu levantar a “fatwa” e o escritor passou a ser visto em público novamente, já a viver nos Estados Unidos.
Infelizmente, a história não fica por aqui.
Em 2022, enquanto subia ao palco para dar uma palestra, um membro da audiência saltou para cima de Rushdie e esfaqueou-o durante 27 segundos, na barriga, no braço, na mão, na cara, no olho… Foi desta experiência traumática que nasceu este livro.
Numa entrevista, Rushdie disse que este não seria o livro mais fácil de escrever, mas que era algo que tinha de fazer para ultrapassar o que tinha acontecido e conseguir voltar a escrever ficção.
«Faca» fala sobre o esfaqueamento, sim, mas também sobre muitas outras coisas, como a experiência de ter vivido “às escondidas” durante uma década, a relação (muito bonita e comovente) com a actual mulher e com os filhos, o longo processo de reabilitação que se sucedeu ao esfaqueamento e que o levou a perder a visão de um olho (nesta parte, Salman chega a citar o livro do «Ensaio sobre a cegueira» de José Saramago).
É um livro que varia entre o processo de reabilitação e algumas divagações do autor, muitíssimo bem escrito e que nos leva a reflectir no verdadeiro significado da liberdade de expressão e da necessidade de a proteger, sempre.
