As vozes de Chernobyl
«Vozes de Chernobyl» é um livro que vai muito além da não ficção, são relatos na primeira pessoa das vozes de Chernobyl, das pessoas que, de uma ou outra forma, têm aquele marco na sua vida. Uma fissura. Antes de Chenobyl (felicidade, amor) e depois de Chernobyl (dor, morte, sofrimento).
Foi a ler este livro que percebi que desconhecia quase tudo sobre Chernobyl, pelo menos desconhecia o mais importante. A antiga União Soviética tentou esconder o incidente, mentiu às pessoas que viviam na zona sobre o que se tinha passado. Não lhes falou da radiação. Até que os trabalhadores de uma central na Suécia perceberam pelo seu detetor de radiações que algo estava errado e alertaram a comunidade internacional. Moscovo negou. Depois admitiu que Chernobyl tinha acontecido. Por causa destas mentiras (e de tudo o que fizeram para as encobrir) ainda hoje não é claro quantas pessoas morreram. Há quem fale em 10.000, em mais ou em menos.
O certo é que o número de pessoas afetadas (que perderam alguém, que sofreram os efeitos da radiação, que ficaram sem casa) vai muito além disso. E são as histórias dessas pessoas que estão neste livro. No fundo, são as únicas que importam.
Não encontrei, não me cruzei com o homem tal como aparece nos livros. (...) O homem não é um herói. (...) O mecanismo do mal também funciona no apocalipse. Compreendi-o. Também vão bisbilhotar, lamber as botas dos chefes, salvar o televisor e o casaco de pele de astracã. E, antes do fim do mundo, o homem permanecerá o mesmo que é agora. Sempre.
O livro toma o tom de quem o conduz, por isso, apesar de ser no geral triste e dramático tem momentos mais leves e de humor:
«Quem quer maçãs? Maçãs de Chernobyl!» Alguém aconselha: «Ó mulher, não digas que são de Chernobyl, que ninguém tas compra.» «Não se preocupe! Então não compram! Há quem compre para a sogra, há quem compre para o chefe.»
A autora ganhou (muito merecidamente) o prémio Nobel em 2015. Tem vários livros publicados que seguem este estilo que ela própria criou. Faz centenas de entrevistas e um trabalho de edição extenso para as “vozes” das pessoas falarem diretamente com o leitor.
Não sei qual é a conclusão para este texto. Talvez porque Chernobyl é uma página da história em aberto. Um capítulo que começou naquele dia e dificilmente se fechará. Pesquisar na internet sobre Chernobyl assusta. Não só porque as imagens (que valem mais do que mil palavras) são chocantes. Mas porque rapidamente se percebe que ainda se desconhece tudo, os efeitos da radiação a longo prazo e o número de pessoas afetadas. O certo é que Chernobyl é uma peça da história que não podemos esquecer, quanto mais não seja, porque não estamos (infelizmente) livres de que se possa voltar a repetir.