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Ler, escrever e viver

Ler, escrever e viver

As novelas gráficas incríveis da sul coreana Keum Suk Gendry-Kim

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«Erva» é uma novela gráfica de Keum Suk Gendry-Kim sobre a vida de Ok-sun Lee que é um murro no estômago.

A Segunda Guerra sino-japonesa foi um conflito que durou de 1937 a 1945 entre a China e o Japão. Durante este período, a Coreia pertencia ao Japão e raparigas com 13/14/15 anos foram levadas da Coreia para casas de conforto na China.

Estas raparigas foram usadas como escravas sexuais pelo Exército Imperial Japonês.

Viviam em casas no meio do nada e de onde não podiam fugir. Os soldados entravam quando queriam, faziam o que queriam e por quanto tempo queriam.

Algumas morriam, outras apanhavam doenças sexualmente transmissíveis ou engravidavam.

É esta a história de Ok-sun Lee que agora a conta 55 anos depois enquanto vive numa casa dedicada a "mulheres de conforto" na Coreia do sul.

Infelizmente, Ok-sun Lee sonhava viver com a sua família, mas foi rejeitada por ter sido uma "mulher de conforto". A vítima é vista como culpada. Reparem no termo que se usava para descrever estas mulheres, "mulheres de conforto", quando na realidade eram escravas sexuais.

Depois temos «A espera» da mesma autora. Os coreanos não tiveram descanso e, em 1950, explodia a Guerra das Coreias que iria levar à divisão entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul.

Neste contexto, milhares e milhares de pessoas fugiram para o sul para fugir da guerra. Pelo meio, muitas perderam-se dos seus familiares ou tiveram de fugir sem os conseguir ir buscar. Assim, milhares de famílias ficaram separadas pela fronteira.

Este livro conta a história de Gwijá que tem 92 anos e vive na Coreia do Sul e ainda tem a esperança de rever o filho antes de morrer, de quem se perdeu durante a travessia.

A Cruz Vermelha em conjunto com o Ministério da Unificação da Coreia do Sul organizam reencontros, troca de cartas e vídeos entre familiares separados pela fronteira. Há cerca de 133 mil sul coreanos inscritos para rever familiares, sendo um terço já morreu sem ter essa oportunidade. Estes encontros funcionam por lotaria. Sorteiam-se 100 pessoas entre todas as que estão à espera e são essas que vão a um território neutro na fronteira reencontrar filhos, maridos, irmãos, que não vêem há décadas. Até 2023, apenas 4 mil famílias tinham tido esta oportunidade.

Keum Suk Gendry-Kim é crua e empática nas histórias que conta. Recomendo muito estas duas novelas gráficas. Tem mais dois livros publicados em Portugal e tenciono lê-los.

Como é dito no posfácio de um dos livros, os coreanos que sofreram com estas duas guerras, as mulheres que foram usadas como escravas sexuais, as famílias que foram separadas pela divisão da península da Coreia, estão a morrer. Não podemos esquecer as suas histórias. Ambos os livros são uma lembrança cruel de que a história se repete. Nas guerras, as mulheres tornam-se alvos fáceis e são, muitas vezes, violadas e humilhadas. Sabemos que isto aconteceu na Ucrânia. Sabemos que aconteceu na Palestina. Na atualidade, mais de 70 anos depois das atrocidades contadas nestes livros.