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Ler, escrever e viver

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As histórias do National Geographic Summit

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O ano passado fui ao National Geographic Summit para ouvir Jane Goodall e acabei surpreendida com a palestra de Jodi Cobb. Na quarta-feira passada, e sem nenhum orador que quisesse tanto ouvir como Jane Goodall, entrei no Coliseu dos Recreios sem expectativas.

O que se seguiu foi um dia inteiro de aprendizagem sobre temas que vão desde o espaço aos conflitos na Terra, desde a vida selvagem do Okavango em África até uma plantação de cocaína no Perú (mais sobre isto em baixo). No fundo, este Summit é uma experiência de imersão naquelas pessoas e histórias extraordinárias que vemos nos documentários e nas TED talks. Uma experiência que pode ser resumida por este verso de Sophia de Mello Breyner dito ao início da manhã:

Vemos, ouvimos e lemos. Não podemos ignorar.

I. Precisamos de mais inclusividade e não de elitismo

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No dia em que Terry Virts, astronauta norte-americano, entrava na nave para o seu primeiro voo espacial, havia homens armados com armas militares. Estariam a proteger a nave de eventuais terrorisas, pensou Terry. Na verdade, descobriu mais tarde, que estavam lá para garantir que os astronautas embarcavam.

Terry passou 200 dias no espaço, a dividir o seu tempo entre as (muitas) horas de trabalho mundano fechado na nave e as paisagens extraordinárias da Terra. Trabalhou numa equipa que misturava norte-americanos, russos e uma italiana quando, na Terra, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia preenchia as páginas dos jornais. Foi essa uma das suas maiores aprendizagens. Que americanos e russos podem trabalhar juntos, independentemente de questões políticas. Mas Terry, na sua palestra, não consegue fugir da política. De noite, perantes as paisagens da Terra em que as cidades aparecem iluminadas, África é uma mancha enorme de escuridão. Aquilo que poderia ser belo é, na realidade, uma marca da diferença entre os que têm muito (demasiado) e os que não têm nada. Terry conclui, sublinhando que precisamos de mais inclusividade, e não de políticas que promovem só elites.

II. Tentemos encontrar sempre um pouco de nós nos outros

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Fiquei surpreendida quando Mariana subiu ao palco do Coliseu e falou em português. Abordei o Nat Geo Summit como qualquer outra coisa em que quero ser surpreendida - manter as expectativas baixas. Não li nada sobre os oradores, à exepção dos nomes e da profissão. Não sabia, por isso, que Mariana Van Zeller era portuguesa. Estudou relações internacionais em Lisboa e trabalhou na sic notícias. Queria ser jornalista o que a levou a candidatar-se à Universidade de Columbia em Nova Iorque. Foi rejeitada. Tentou novamente. Foi rejeitada. À terceira, Mariana decidiu ir até Nova Iorque conhecer o diretor da Universidade. E sim, nesse ano foi aceite. Estávamos em Agosto de 2001 e, escassas semanas depois, Mariana estava a cobrir o 11 de Setembro para Portugal.

Anos depois, Mariana foi viver para a Síria. A guerra no Iraque tinha começado e, como jornalista acabada de se licenciar, queria estar perto do conflito. Descobriu que havia sírios a atravessar a fronteira para o Iraque para combater o exército norte-americano e foi investigar com a ajuda de um sírio que aceita denunciar a situação. Às tantas, Mariana explica à plateia que ele lhe fez uma serenata. A música "My heart will go on" da Céline Dion começa a tocar no Coliseu. A plateia ri-se. Mas não só, explica Mariana. Ele também sabia de cor todas as falas do Titanic. Foi aqui que Mariana percebeu o tipo de jornalismo que queria fazer. Com menos julgamentos e mais empatia.

 

III. Comprei uma plantação de cocaína no Perú

Charlie Hamilton James in burning rainforest. Acre

É fácil gostar de Charlie. Aliás, diria que é impossível não gostar de Charlie. É fotógrafo de vida selvagem e tem um talento natural para falar em público. Com um sentido de humor que prende a plateia. A história do título foi uma das muitas que partilhou. Há alguns anos atrás, Charlie comprou uma porção de terra no Parque Nacional Manú, no Perú, com o objetivo de o proteger. Estava longe de imaginar que o terreno tinha, na realidade, uma plantação de cocaína. Era também a casa de muitos trabalhadores que cortavam, ilegalmente, árvores da floresta cuja madeira era depois exportada para fazer, por exemplo, caixões e mobília. Charlie queria os trabalhadores fora das suas terras. Foi conhecê-los, passar algum tempo com eles e percebeu que o que os motivava no trabalho ilegal era algo tão simples quanto a necessidade de sustentar as famílias com o que tinham à disposição.

Vamos a estes sítios e procuramos perceber o quão diferentes somos, mas o que realmente acabamos por descobrir é o quão semelhantes somos.

 

IV. Não podemos olhar a natureza a partir de cima porque somos parte dela

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Adjany Costa é angolana e subiu ao palco para contar uma daquelas histórias que me deixam, por um lado, cheia de inveja e, por outro, muitíssimo feliz por não estar no lugar dela. Eu explico. Adjany participou no Okavango Wilderness Project, um projeto da National Geographic para investigar a vida selvagem do Okavango, uma zona ignorada durante décadas por causa da Guerra. Para a expedição, uma equipa de cientistas percorrer quilómetros a pé e de canoa, a viver sem nada, no meio do nada, durante meses. Sujeitos a tudo. Adjany chegou mesmo a ser atacada por hipopótamos e elefantes. A prova de que a natureza pode ser tanto extraordinária quanto implacável. A lição que tirou foi que, quando estamos no espaço deles, os animais olham para nós como outros animais e não como seres superiores. Quer queiramos ou não, fazemos parte da natureza. Já dizia Stephen Hawking que:

Somos apenas uma raça avançada de macacos num planeta pequeno de uma estrela banal. Mas conseguimos compreender o Universo. Isso torna-nos muito especiais.

V. Os oceanos são o coração azul do nosso planeta

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Sylvia Earle foi, merecidamente, a última a subir ao palco para fechar a conferência. É apresentada como a figura máxima da conservação dos oceanos e não é para menos. Tem milhares de horas passadas debaixo de água no currículo, que começaram há 60 anos atrás. Sim, porque Sylvia tem 82 anos e continua a mergulhar com a mesma paixão de sempre. A mesma paixão com que fez esta TED talk sobre a proteção dos oceanos e o documentário Mission Blue para a netflix. A mesma paixão com que fala à plateia do Coliseu dos Recreios sobre a urgência de conservar os oceanos.

A palestra de Sylvia não é muito diferente da de Terry, no sentido em que ambos dão a conhecer sítios que a maioria de nós nunca vai explorar - o espaço e o oceano profundo. Outra semelhança é que, se podemos conhecer um bocadinho do espaço através de fotografias tiradas por sondas e astronautas, conhecemos um bocadinho do oceano sempre que lá mergulhamos. Como Sylvia disse se há coisa transversal na Terra, é a alegria que sentimos ao mergulhar no mar. A diferença é que não precisamos do espaço para viver na Terra, mas precisamos dos Oceanos. E, apesar disso, gastamos muito mais dinheiro, recursos e energia a conhecer o espaço do que a conservar os oceanos. Sylvia quer mudar isso.

P.S. - Falta uma história neste post, a de Hyeonseo Lee, norte-coreana, que fica para a próxima publicação.

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