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Ler, escrever e viver

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A desobediente: a biografia incrível de Maria Teresa Horta

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Não sabia muito sobre Maria Teresa Horta, além de ser uma das famosas três autoras do livro “Novas Cartas Portuguesas”. Também nunca tinha lido uma biografia mas parece-me que comecei muito bem. Este “A desobediente” de Patrícia Reis, apesar das suas 400 páginas, lê-se muito bem.

Mal sabia eu que Maria Teresa Horta tinha uma vida tão interessante. Que passava as férias de infância na mesma praia onde eu passei as minhas. Que viveu nos Açores quando o pai, médico, foi trabalhar para o hospital militar. Que manteve sempre uma relação peculiar (no mínimo) com a mãe que acabou por a abandonar (e com quem retomou a relação mais tarde).

Maria relembra, na infância, um episódio em que ela, de uma família rica, foi impedida de ir ao jardim zoológico com uma criança de uma família pobre:

«Quando Carlota viu Amparo, a amiga da filha mais velha, percebeu o equívoco e fez-se um silêncio terrível. Carlota estava vestida como alguém que vai a um lugar distinto, elegante, rico. (…) «A minha mãe disse que já não íamos. Acho que me tornei uma pessoa de esquerda nesse momento.»»

O gosto e o fascínio pela leitura (e pelo feminismo), também estão presentes desde sempre:

«Em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, Teresinha lia As pupilas do senhor reitor, de Júlio Diniz. «Foi então que fiz a pergunta à minha mãe, a pergunta que mudaria a minha vida “Mãe, não existem mulheres escritoras?”»

(Dá que pensar o facto de existirem tantas mulheres escritoras merecedoras de mais mérito, como Maria Teresa Horta, Natália Correia, Adília Lopes, Augustina Bessa Luís, Lídia Jorge e muitas outras. Na escola, só me lembro de estudar Luís de Camões, Fernando Pessoa, Gil Vicente, José Saramago, Eça de Queiroz, mas e as autoras portuguesas? Porque é que não aprendemos quase nada sobre elas?)

Muitos anos depois, e já no continente, Maria Teresa Horta apaixona-se por Luís de Barros, tem um filho e torna-se poetisa. Viviam-se tempos tenebrosos. Maria tinha constantemente a PIDE à porta por tudo aquilo que escrevia, os seus livros eram rapidamente censurados e retirados de circulação. Maria chegou a ser espancada na rua por aquilo que escrevia, mas continuou a escrever. Sempre.

(Ler esta biografia fez-me lembrar muito do momento incrível que vivi este ano na Avenida da Liberdade nos 50 anos do 25 de Abril. Acho que nunca vi tantos portugueses juntos, e por uma boa causa. Foi tão, mas tão bonito.)

Quando escreveu as “Novas Cartas Portuguesas” com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, o livro foi censurado e retirado de circulação. As autoras foram processadas.

As Novas Cartas Portuguesas espelham os receios, as denúncias, as críticas ao regime, mas espelham também uma dimensão erótica, sexual, que estava vedada às mulheres. As Cartas misturam registos, diários, poesia, ensaios, ficção, tudo cabia, sem regras que limitassem a imaginação. Cientes do regime político, a certa altura, começaram a efabular sobre uma potencial ordem de prisão. Luís de Barros, quando chegava mais cedo a casa, dizia: «Ah, ainda estão aqui? Qual é o tabaco que querem que vos leve à prisão?»

O caso teve repercussão internacional e feministas como Simone de Beauvoir e escritoras como Marguerite Duras defenderam as autoras para desgosto de Marcello Caetano. O julgamento foi sendo sucessivamente adiado e só veio a acontecer depois do 25 de Abril de 1974. As autoras foram absolvidas. Escreviam agora em liberdade.

A partir daqui, a biografia foca-se mais no trabalho político de Teresa pelo feminismo, nomeadamente a favor da IVG, no seu trabalho como jornalista e na publicação de um dos seus livros mais conhecidos "As luzes de Leonor", a Marquesa de Alorna. A nível privado, a autora passa por um cancro da mama e pela morte do marido, Luís de Barros, em 2019. Teresa passa a viver maioritariamente isolada em casa. Tem 87 anos.

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