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Ler, escrever e viver

Ler, escrever e viver

Notas sobre um naufrágio de Davide Enia

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Este livro foi daqueles que custou.

Vi-o numa daquelas livrarias que há nas estações de metro. Não comprei. Voltei no dia seguinte e já não vi o único exemplar do dia anterior. Perguntei à senhora que não se lembrava de o ter vendido e o que ia procurar porque era daqueles livros que “precisava de passar de mão em mão, de ser lido”.

Logo nas primeiras páginas uma realidade cruel.

Por um lado, os pescadores de Lampedusa que dizem que o robalo voltou em força depois de anos sem aparecer na ilha. Porquê? A resposta está escarrapachada nos cadáveres que são encontrados nas redes de pesca.

Por outro lado, temos um mergulhador com ideias próximas do fascismo que salva vidas e que, às vezes, tem de escolher. Salvo estas três pessoas ao pé de mim ou aquela mulher grávida que está mais longe? Três vidas ou duas vidas? Uma escolha impossível.

Parei e só voltei ao livro alguns meses depois. O autor, Davide Enia, relata as suas viagens à ilha de Lampedusa, muitas vezes, acompanhado pelo pai.

E eu pensava: de todas as vezes, absolutamente todas, tenho a nítida sensação de me encontrar diante de seres humanos que carregam dentro de si um cemitério inteiro.

Relata o primeiro desembarque a que assiste, fala com médicos que passaram a ser chamados para fazer identificação de cadáveres, com uma ginecologista que se impressiona com as queimaduras graves das pessoas que chegam (pela mistura de urina com gasolina) e com a quantidade de raparigas que chegam violadas e/ou grávidas, fala com mergulhadores que tentam salvar as vidas que podem.

Durante os resgates, as pessoas caídas no mar não conseguem mexer as pernas, passaram demasiadas horas imóveis nos barcos, sempre na mesma posição. Estão exaustas, desidratadas, por vezes, inconscientes. Uma manhã resgatámos mil e trezentas, só à força de braços, uma atrás da outra, um corpo de cada vez. Foram horas.

Tudo isto numa ilha pequena onde há apenas três ambulâncias e onde alguns habitantes locais se esforçam para estar presentes em todos os desembarques e dar algum conforto à chegada (chá quente, brinquedos para as muitas crianças, comida).

Mais de 120 mil migrantes passaram por Lampedusa desde 2023, por isso, este livro continua a ser tão atual como quando foi publicado, em 2017.

E sim, é daqueles livros que precisam de ser lidos e recomendados.

Como foi fazer Lasik

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Quando era miúda, a minha mãe fez cirurgia laser aos olhos. Lembro-me de chegar a casa ao fim do dia e a minha mãe, que tinha sido operada no mesmo dia, já estava relativamente bem.

Desde há alguns anos que tinha a ideia de fazer lasik, a cirurgia a laser para resolver a miopia, mas foi ficando de lado. Basicamente, por causa do dinheiro, sejamos sinceros.

Não me chateava muito usar óculos no dia a dia, mas assustava-me usar óculos em viagem, por exemplo, na Costa Rica perdi, por uns momentos, os óculos de sol graduados na água da praia (graças a deus outra pessoa conseguiu apanhá-los), mas teria sido um pesadelo passar o resto da viagem sem óculos de sol (é que eu não vejo mesmo nada sem óculos…).

Entretanto, este ano, já depois dos 30, decidi que estava na altura de pensar seriamente no assunto, porque, quanto mais cedo fizesse a cirurgia, maior o número de anos de benefício. E cumpro os requisitos: ter 20 anos, não ter outros problemas de saúde que impeçam a cirurgia, ter a graduação estabilizada e ter uma espessura de córnea suficiente que permita fazer o laser (o lasik implica um corte da córnea, por isso, esta tem de ter uma certa espessura para permitir a cirurgia). Assim que fiz os exames e se comprovou que estava tudo bem, marquei logo a cirurgia. Uma semana um olho e, na semana seguinte, o outro, para ter a segurança extra de que corria tudo bem.


A primeira cirurgia

Eu adorava dizer-vos que não dói absolutamente nada, mas, antes do laser em si, é usado um sistema de sucção para a fixacção do olho e aquilo faz muita pressão no osso da bochecha (o zigomático, mesmo abaixo do olho) e, a sério, acho que até vi estrelas, porque aquilo dói muito (ou, vá, a mim doeu-me muito aquela pressão, conheci outras pessoas a quem não doeu nada, enfim, depende de pessoa para pessoa). O bom é que dura menos de um minuto e depois o resto da cirurgia foi super tranquilo. No final da cirurgia, é aplicada uma lente terapêutica que têm de usar durante alguns dias.

Depois da cirurgia, ardeu-me o olho durante algumas horas, mas segui as instruções do médico - ir dormir - dormi 13 horas e quando acordei sentia-me muito melhor e via muito bem do olho operado sem óculos, o que é assim um pequeno milagre da medicina.

Tive de tomar gotas (anti-inflamatório e antibiótico) e usar óculos de sol por uma semana. Além disso, tive de usar lágrimas artificiais porque o lasik seca bastante os olhos (durante, pelo menos, um mês).

A semana entre a primeira cirurgia e a segunda foi muito estranha, porque basicamente tinha um olho a recuperar da cirurgia e que já via bem e, outro que ainda não via bem e estava a usar óculos de sol não graduados. Enfim, é esquisito, é cansativo trabalhar no computador, ver séries, etc. Felizmente, é só uma semana.


A segunda cirurgia

Ia com zero vontade de voltar a experimentar o mecanismo de sucção mas com muita vontade de despachar o segundo olho para me livrar dos óculos (se bem que ainda tive de usar óculos de sol durante uma semana).

A recuperação foi um bocadinho diferente. Depois de dormir umas 12 horas, acordei com uma mancha vermelha no olho que era uma pequena hemorragia causada pela ventosa (eu bem disse que eu e a ventosa não nos dávamos bem), mas não era preocupante e passou por si.

 

Vale a pena fazer lasik?

Perguntem-me daqui a dez anos, pode ser?

Para já, digo-vos que para quem usa óculos desde os 12 anos é incrível não usar e conseguir ver tudo! E sim, às vezes, ainda acordo de manhã e ando à procura dos óculos para depois perceber que não preciso de os usar.

Uma das questões que abordei com o meu médico foi se o lasik durava para a vida. Ora bem, o objetivo do lasik é eliminar o nível de graduação que nós temos mas, se ao longo da vida, adquirirmos mais graduação… ficamos com ela. Além disso, pessoas diferentes respondem sempre de forma diferente à cirurgia e podem ficar com alguma graduação residual. No meu caso, fiquei com a visão a 100%.

À medida que envelhecemos, também começamos a precisar de usar óculos para ler ao perto, por isso, nunca nos livramos para sempre de usar óculos.

P.S. - O médico que me operou é excelente, faz cirurgia no privado em Lisboa e, se alguém tiver interesse, mandem mail que eu envio o contacto.

P.S. - Alguém conhece alguma associação que aceite óculos em bom estado graduados (são versão juvenil).

Uma viagem à infância (e à Amazónia) na feira do livro

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Comecei a ler (e a gostar de ler) com a série «Uma aventura». Lembro-me de que o primeiro que li foi «Uma aventura no Palácio da Pena» na escola e depois continuei. Também me lembro das manhãs de verão pachorrentas a ver a série na televisão.

Por isso, quando encontrei a Ana Maria Magalhães e a Isabel Alçada na feira do livro de Lisboa não resisti a trazer uma recordação da infância - autógrafos e um livro que me despertou curiosidade.

Entretanto, já li «Uma aventura na Amazónia» e gostei bastante. O grupo de uma aventura viaja até Manaus e vive uma série de aventuras na Amazónia brasileira. Além disso, no final do livro, há uma espécie de diário de viagem da aventura que as autoras viveram na Amazónia. Gostei muito. E fiquei cheia de vontade de visitar a Amazónia!

Lobos de Tânia Ganho

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Este livro foi uma grande surpresa.

Primeiro, temos Fedra, uma antropóloga que passou mais de vinte anos nalguns dos piores lugares da Terra: Ruanda, Kosovo, Iraque, Mali, entre outros. Regressada a casa e em ambiente de pandemia, o seu trabalho no Instituto de Medicina Legal consiste em investigar casos de abusos sexuais (incluindo a menores) na dark web.

Depois temos Stefan, um antigo repórter de guerra que vive numa cabana e criou um santuário para lobos que é fictício mas baseado no Centro de Recuperação do Lobo Ibérico de Mafra (se nunca visitaram, não percam a oportunidade porque é uma experiência incrível).

Temos ainda Leonor, uma adolescente de 14 anos que, após ser vítima de um crime sexual, decide ir viver para o campo com a sua tia Freda, onde as duas acabam a fazer voluntariado com os lobos. Basicamente, o seu explicador de matemática partilhou fotografias íntimas dela com sabe-se lá quantas pessoas... Helena, a mãe de Leonor e irmã de Freda, não consegue lidar com o trauma da filha e, cansada de estar fechada em casa com o marido em plena pandemia, desenvolve um caso com outro homem.

Além disso, temos ainda Amélia, a mãe de Helena e Freda, que sofre de Alzheimer e guarda a chave do grande mistério deste livro.

Já tinha gostado de Apneia e de O meu pai voava, mas este livro é muito bom e, sem dúvida, o meu preferido da autora. Personagens muito bem construídos, cheios de camadas, com um desenvolvimento interessante e envolvente. Além disso, nota-se que Tânia Ganho fez um trabalho de pesquisa notável para a construção de toda a narrativa (inclusive fazendo voluntariado no centro de recuperação de lobos de Mafra). Queria ler para saber o que ia acontecer, mas queria que o livro durasse o máximo de tempo possível. Recomendo muito.

Leituras sobre a Palestina: Rifqa de Mohammed El-Kurd

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Este foi um dos livros que trouxe da feira do livro de Lisboa e que não podia ser mais actual (quando é que vai deixar de ser actual?). A edição lindíssima é da Antígona. O autor tem sido uma voz activa pela causa palestiniana e escreveu este livro de poemas como homenagem à avó - Rifqa - que é uma sobrevivente do Nakba (quando, em 1948, 68% do território palestiniano foi ocupado por Israel e foi declarada a independência do estado de Israel).

Assim, os poemas percorrem a história desta família que é, no fundo, a história de um povo.

Deixo aqui alguns dos poemas que mais me marcaram:

Sobre bombas:

«Fogos-de-artifício ou bombas?»

pergunta Loren. Um tornado de risos

escapa-nos das bocas

atingidas pelo nosso torpor

de maneiras fatais.

A minha mãe sempre disse:

«Os desastres mais trágicos

são os que fazem rir.»

 

Sobre nascer e morrer:

O nascimento dura mais que a morte.

Na Palestina a morte é súbita,

instantânea

incessante,

acontece entre dois fôlegos.

 

Sobre uma mulher em trabalho de parto:

O soldado diz-lhe que a hipótese de uma ambulância

é nula, a passagem exige uma autorização.

As mulheres, cheias de fúria  e trémulas,

dizem-lhe para fazer força.

Ela dá à luz uma ameaça à segurança;

a primeira coisa que vê é o buraco de uma bala.

 

Sobre a ocupação:

Um soldado tão velho como uma folha nascida ontem

puxa o gatilho contra uma mulher mais velha do que

a herança dele.

Aqui, cada passo é um túmulo,

cada avó é uma Jerusalém.

 

Sobre casa:

Os colonizadores juvenis com roupas diferentes

espingardas a baterem-lhes nas ancas nação terrorista

celebraram a propriedade roubada insensíveis

Chorei - não pela casa

mas pelas memórias que podia ter tido dentro dela.

 

Sobre a irmã:

Maha a irmã de três anos chorava a sua inocência,

viu os colonos sionistas queimarem-lhe a cama,

(...) Maha tem agora oito.

sabe que não é a única criança cuja cama foi queimada,

sabe que as crianças são queimadas.

 

Sobre Nakba:

É o mesmo massacre

em todo o lado.

Setenta e tal anos depois.

nem um dia vivemos.

 

Sobre Deus:

Os invasores voltaram uma vez mais,

reclamaram a terra

com força e fogo desculpas crenças

dos eleitos e dos prometidos

como se Deus fosse um agente imobiliário.

Tenho vontade de deixar aqui todos os poemas, porque este livro precisa muito de ser lido. Não o podia recomendar mais. Leiam. Aliás, comprem (porque a Antígona merece todo o apoio por esta edição) e leiam.

A feira do livro de Lisboa

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Eu apanhada pela lente da Feira do Livro em 2024

Tenho sempre a mesma rotina para a feira do livro de Lisboa. Ver os livros do dia nos dias em que eventualmente poderei ir à feira e guardar os que me interessam, passar pelos alfarrabistas (encontram-se sempre coisas boas, mas é preciso paciência e tempo para procurar), passar pelos caixotes da Relógio d'Água, passar pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, procurar editoras que tenham livros com pequenos estragos a preços mais baratos (a Particular Editora - antiga Cultura - tem e a Antígona também e há mais algumas que também têm) e depois percorrer o recinto e ver se há mais algum livro que me interesse.

É assim eu ia com uma lista, entendem? E depois trouxe tudo um bocado ao lado 😅 Enfim, este ano, trouxe estes (mas ainda sou capaz de lá voltar):

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E vocês, já tiveram a oportunidade de visitar a feira este ano? Já leram algum destes livros? Deixem a vossa opinião nos comentários.

P.S. - Aqui fica uma boa wishlist para a feira e aqui encontram também muitas sugestões.

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