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Quatro séries para ver: Under the bridge, Pedaço de mim, The great e Intimidade

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Under the bridge (Hulu)

Descobri esta série aqui. É baseada numa história verídica de uma rapariga de 14 anos (Reena Virk) que desaparece depois de uma festa com “amigos”. A história passou-se nos anos 90 no Canadá e deu muita polémica por tudo o que se seguiu ao desaparecimento.

Depois do desaparecimento, descobre-se que Reena foi assassinada na sequência de ter sido agredida por seis raparigas e um rapaz adolescente. A série, que é baseada num livro escrito sobre o caso, tenta explorar tudo aquilo que levou àquele episódio de violência.

Desde a pobreza de alguns dos adolescentes envolvidos, até à má relação que Reena tinha com os pais. Por um lado, era indiana e parecia não conseguir conciliar bem a sua identidade com o facto de viver no Canadá (afinal, tinha apenas 14 anos). Além disso, os pais eram testemunhas de Jeová, o que só piorava a relação entre ela e a mãe.

É uma série dura, mas muitíssimo bem conseguida. Infelizmente, a autora do livro - Rebecca Godfrey - que esteve muito envolvida na produção da série morreu antes da mesma ser lançada.

Trailer aqui

 

Pedaço de mim (Netflix)

Eu não dava muito por esta série da Netflix que é, no fundo, uma novela brasileira contraída em 17 episódios. Mas, confesso que saí bastante surpreendida. Primeiro, temos Liana, uma mulher que engravida de gémeos de pais diferentes. O fenómeno chama-se superfecundação heteroparental e é extremamente raro, porque dois óvulos têm de ser libertados num mesmo ciclo e fecundados por espermatozóides de pais diferentes. A questão é uma das relações foi resultado de violência sexual. O que fazer nesta situação? Ter os dois filhos? Dar um para adopção? Fazer um aborto?

Além disso, a cunhada de Liana tem um filho chamado Inácio com uma doença degenerativa que acaba por o deixar cego. E Liana ajuda-o bastante por ser terapeuta ocupacional. Gostei muito que a série desse destaque a uma profissão que é tão importante e, muitas vezes, pouco reconhecida.

Também gostei muito do desenrolar da história. Achei genial a forma como a narrativa mostra o poder que a religião tem no Brasil e o quão está misturada (infelizmente) com a política. No entanto, é mesmo uma história de partir o coração. Vamos acompanhando estas personagens ao longo de muitos anos e vendo como as suas escolhas afetam as suas vidas de forma dramática.

Trailer aqui

 

The Great (HBO)

The great é aquela série de que eu não estava à espera de gostar, por ser ficção histórica. Mas esta série é genial.

Basicamente, temos a história, apenas levemente baseada em factos verídicos, da Catarina da Rússia. Acompanhamos a sua chegada à Rússia, o seu casamento com o imperador e, depois, a sua percepção de que ela pode ser capaz de salvar a Rússia (o que não deixa de ser irónico se pensarmos na situação actual da Rússia a travar uma guerra horrível, mas enfim).

É uma comédia e uma sátira genial à realeza da altura e à forma como viviam. Recomendo muito. Se já viram a série, gostei deste artigo sobre o que aconteceu na realidade.

Trailer aqui

 

Intimidade (Netflix)

Que grande série. É certo que as séries espanholas na Netflix estão cada vez melhores, mas esta é mesmo muito boa. Temos uma mulher que se quer candidatar à câmara de Bilbau, quando um vídeo íntimo seu é dilvulgado publicamente. Apesar de ser a vítima, quase todos a vêem como culpada.

Em paralelo, temos a história de uma empregada numa fábrica, em que alguém divulgou aos trabalhadores (quase todos homens) uma fotografia e um vídeo íntimo seus, muito antigos. Esta mulher acaba por se suicidar e é a sua irmã que tenta fazer justiça. Não podia recomendar mais.

Trailer aqui

A impostora de R. F. Kuang e o mercado editorial

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Às vezes, quando os livros têm muito hype fico de pé atrás com receio que não correspondam às expectativas. Mas a «Impostora» de R. F. Kuang tem uma premissa demasiado interessante para me passar ao lado.

Athena Liu é uma escritora chinesa adorada no mundo literário e June Hayward é uma escritora não chinesa com muito pouco sucesso. Quando Athena morre num acidente à frente de June, esta não resiste a roubar-lhe um manuscrito não publicado sobre o papel dos chineses na Primeira Guerra Mundial, editá-lo e publicá-lo como se fosse seu sob o nome ambíguo de Juniper Song.

É um livro cheio de humor negro que levanta muitas questões sobre o mercado editorial, nomeadamente quem tem o direito de contar certas histórias: será que June, não sendo chinesa, tem o direito de contar uma história sobre os trabalhadores chineses na Primeira Guerra Mundial? Esta questão tem sido levantada com outros livros como o «Terra Americana», um livro sobre os imigrantes mexicanos que fogem para os Estados Unidos escrito por uma americana. Eu acho que deve haver liberdade para escrever. Mas, por outro lado, também nos cabe a nós enquanto leitores procurar vozes diversas que, durante décadas, foram completamente ignoradas no mercado editorial.

Depois também há outra questão importante abordada no filme «American Fiction», de que gostei muito. Aqui temos um escritor negro com uma vida banal, mas aquilo que escreve não tem qualquer sucesso. Então, decide escrever uma sátira que está convencido que não chegará a lado nenhum. Escreve um livro com todos os estereótipos de ser negro, sobre ter estado na prisão, ter feito tatuagens, ter tido uma vida incrivelmente difícil. Nada daquilo é verdade, mas o livro não só é publicado como, para seu espanto, é um sucesso gigantesco.

Há uns tempos vi uma escritora autista norte-americana que escreveu um livro sobre a sua condição dizer que tinha muita dificuldade em conseguir publicar ficção. Porque o que os editores queriam dela eram mais livros sobre o autismo. Ou seja, por um lado, queremos histórias diversas (e ainda bem!), mas, por outro, estamos a reduzir os escritores a essas histórias.

Além destes temas, o livro também aborda muito o mercado editorial norte-americano:

No entanto, entramos na escrita profissional e, de repente, escrever é uma questão de invejas profissionais, orçamentos de marketing obscuros, e adiantamentos monetários que não se comparam com os dos nossos colegas. Os editores chegam e mexem nas nossas palavras, na nossa visão, e o marketing e a publicidade fazem-nos destilar centenas de páginas de reflexões cuidadosas e diferenciadas em pontos de discussão engraçados do tamanho de um tuíte. Os leitores instilam as suas próprias expectativas, não só na história, mas também na nossa orientação política, na nossa filosofia e na nossa opinião sobre todas as coisas éticas. Nós, e não a nossa escrita, tornamo-nos o produto.

Enfim, gostei muito deste livro e recomendo se estes temas do mercado editorial vos interessarem. Entretanto, fiquei curiosa para ler «Babel» da mesma autora.

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