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Ler, escrever e viver

Ler, escrever e viver

A minha infância cheira a maresia

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Primeiro a praia do Magoito onde aproveitávamos para fazer piqueniques no mato e a minha avó bem dizia o estar a apanhar o iodo que o médico lhe recomendava.

Depois subimos e as férias eram passadas num pequeno T1 no oeste onde tínhamos um beliche (o sonho de qualquer criança). Acordávamos sonolentos com nevoeiro cerrado lá fora e ficávamos a ver as repetições do inspector Max ou de uma aventura. Quando o nevoeiro levantava (e levantava quase sempre), a pergunta que se impunha era: praia ou piscina?

Na praia, já sabíamos que estávamos sempre dependentes da maré estar vazia ou pouco cheia. Na piscina, ficávamos na água até o dono nos vir dizer que ia fechar e sairmos enregelados para as toalhas.

A minha infância cheira a maresia e, talvez, por isso, o verão seja sempre a minha estação preferida e aquela em que tenho vontade de aproveitar todos os dias como se o outono nunca fosse chegar.

P.S - Eu vou de férias e o blog também. Voltamos daqui a duas semanas. Se quiserem, podem sempre ler os posts antigos ou seguir-me no Instagram.

A minha estante - versão 2024

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Eu já tinha feito um post destes em 2020, mas tendo em conta que a minha estante mudou consideravelmente desde então, decidi fazer uma bookshelf tour actualizada. O quebra-nozes na porta foi uma prenda da sweet.

Aproveitei que ainda tenho algum espaço livre na estante (não muito) para guardar aqui a máquina de escrever que era da minha mãe, uma tartaruga que foi prenda de uma amiga e uma pintura que trouxe do Quénia.

A estante não está assim tão cheia, porque sou bastante desapegada dos livros. Sempre que não adoro um livro e não tenho grande interesse em mantê-lo, facilmente o dou a alguém, vendo, troco ou deixo na biblioteca. Quero que a minha estante esteja cheia dos livros que tenho por ler (e que são muitos, prefiro não dizer números...) e dos livros que adorei ler.

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E vocês, como organizam a vossa estante?

Uma prece ao mar de Khaled Hosseini

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Eu sei, é exaustivo preocuparmo-nos com todas as tragédias do mundo ao mesmo tempo. Tivemos uma crise de refugiados (e ainda temos) que foi abafada pela guerra entre a Rússia e a Ucrânia, que foi abafada pela ocupação da Palestina, que vai ser abafada pela próxima tragédia. Pelo meio, ainda houve uma pandemia. Infelizmente, é assim que vai o mundo.

Este livro foi escrito com base naquela fotografia que correu o mundo, em 2015, em que uma criança de 3 anos aparecia morta numa praia do mediterrâneo.

Aqui temos um livro com ilustrações belíssimas em que um pai espera com o filho na praia por um barco que os levará para a Europa, que representa a segurança. Durante esse tempo, este pai escreve uma carta ao filho em que relembra a Síria antes das bombas (de que o filho nunca se lembrará) e o horror da guerra que os levou a fugir.

Neste link conseguem ver o número de refugiados que vão chegando, até agora em 2024.

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Amêndoas de Won-Pyung Sohn: uma pequena desilusão

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Eu sei que este livro é um favorito de muita gente, mas, infelizmente, não foi essa a minha experiência de leitura.

Aqui temos Yunjae, um personagem adolescente que sofre de uma condição neurológica - alexitimia - que faz com que tenha dificuldade em identificar e expressar as suas emoções, assim como identificá-las nos outros, o que o leva a não dar respostas socialmente aceites ou esperadas, digamos assim.

No livro, refere-se que o personagem tem alexitimia por ter as amígdalas do cérebro demasiado pequenas e a mãe convence-o a comer amêndoas para as aumentar, daí o título. Na verdade, a alexitimia é ainda pouco compreendida e só há um artigo que refere esta relação com as amígdalas, por isso, não tomem isto como verdadeiro. Mas sim, eu sei que é um livro de ficção e não um livro técnico.

Yunjae vive com a mãe e a avó, mas quando tem 16 anos acontece uma tragédia na sua vida que o leva a ficar sozinho e a gerir a livraria de livros em segunda mão da mãe (a minha parte preferida do livro). Yunjae teve uma vida trágica. Torna-se amigo do bully da escola onde anda que também teve uma vida trágica e é ajudado pelo seu vizinho de cima que sim, adivinharam, também teve uma vida trágica.

Mesmo assim não foi este conjunto de tragédias que me fez não gostar muito deste livro, simplesmente não me consegui conectar com as personagens e achei o desfecho demasiado apressado. Percebo porque é que muita gente gosta deste livro (principalmente se nunca ouviram falar de alexitimia), mas não funcionou muito bem para mim.

Cards against anxiety: a experiência

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Vi estas cartas (em inglês com o título de Cards against anxiety) serem recomendadas pela Beatriz e decidi experimentar.

Basicamente, este manual e cartas foram escritas por uma doutorada em psicologia médica e são 25 cartas com exercícios variados (de escrita, de respiração, de pensamento) para ajudar em momentos de stress ou ansiedade. Cada carta tem o nome do exercício e uma explicação na parte de trás, assim como o número de uma página do manual que explica o exercício com mais detalhe.

Como está escrito no manual, somos todos diferentes, por isso, podem usar só as cartas, ler o manual e depois usar as cartas, usar os dois em simultâneo, fazer um exercício por dia ou só quando precisarem, enfim, usem como vos fizer mais sentido.

No meu caso, quis experimentar todos os exercícios, pelo menos, uma vez e depois guardei as cartas que me faziam mais sentido (os exercícios de escrever (ou não tivesse eu um blog), os de respiração (algo que também treino bastante no pilates) e o de fazer uma caminhada (sempre uma boa ideia)) para ir repetindo os exercícios.

Se gostei da experiência? Sim, acho uma ideia muito gira e bem conseguida, mas confesso que o meu maior stress reliever continuam a ser as minhas gatas.

A edição portuguesa é da Albatroz.

O teatro de Emma Santos: vivências num hospital psiquiátrico

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Este livro foi uma recomendação da Lena. Sabia que o livro estava relacionado com as vivências da autora num hospital psiquiátrico, mas fiquei confusa por se chamar o teatro.

Na verdade, esta edição reproduz o texto que foi representado em palco pela autora entre Dezembro de 1976 e Janeiro do ano seguinte.

Emma Santos escreve sobre a doença mental (ou a loucura como, tantas vezes, lhe chama) e denuncia os métodos arcaicos usados para tratar a própria doença.

A Loucura, imagino-a mulher, alta, inchada pelos medicamentos, semi-nua, só com um roupão de nylon acolchoado às flores roxas ou cor de rosa. Vi-a lá no hospital, todas as doentes eram uma e a mesma, devorando bolos e guloseimas ou de cigarro nos beiços. (...)

A Loucura-Mulher pois há muito que foi castrada, privada da linguagem, sem poder limpar pigarro, ar idiota, malcastrada.

Emma defronta-se com a loucura das instituições psiquiátricas onde foi internada e onde lutou para recuperar a sua voz.

As descargas eléctricas vinham a seguir a algumas cenas do meu quarto vazio, da minha cama, do meu bloco e do meu lápis, aquilo de que eu gosto. (...) Não suportava mais. Gritava de dor. Chamava pela minha mãe.

A solidão que sente nestas instituições é outro tema muito presente no livro:

Entrei definitivamente no país do silêncio. (...) Sinto-me prisioneira neste hospital. Todos me ignoram. Esqueceram-me depressa. A cidade em volta continua a existir, ouço-lhe o rumor. Estou só perdida num deserto. A solidão e o vazio.

O livro tem cerca de 50 páginas e merece ser lido por muito mais gente. Infelizmente, a edição que é da Assírio e Alvim está esgotada, mas podem fazer como eu e procurar em sites de venda de livros em segunda mão (olx, tradestories, vinted, grupos de venda de livros no Facebook) ou alfarrabistas.

Consentimento: o livro corajoso de Vanessa Springora

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Este é um livro de grande coragem. Vanessa Springora, agora editora e escritora, decide escrever sobre a relação que manteve com um escritor de 50 anos quando tinha apenas 13 e 14 anos.

Estamos em Paris na década de 80 e, após o divórcio conturbado dos pais, Vanessa conhece um escritor com 50 anos. A partir daí, os dois começam uma relação secreta. G. M., como Vanessa usa neste livro, espera-a à porta do liceu (mas sempre a uma distância segura de olhares indiscretos), escreve-lhe cartas e pede-lhe encarecidamente que não deixe a sua mãe apanhá-las. Vanessa passa a descurar os estudos e passa todo o seu tempo no apartamento do escritor.

Às tantas, a relação torna-se difícil de esconder e Vanessa revela a relação à mãe que fica, inicialmente, chocada e depois acaba por aceitar os factos. Afinal, G. M. é um escritor, um homem importante da elite intelectual de Paris. Porque não aceitar a relação da filha de 14 anos com um homem de 50 como se fosse uma coisa normal? O mais impressionante neste livro é que, apesar de na altura a lei estipular os 15 anos como a idade mínima para o consentimento sexual e de Vanessa ser mais nova do que isso e de toda à gente ao seu redor e ao redor do escritor saber da relação, ninguém acha a situação anormal.

A certa altura, alguém faz uma denúncia anónima para a polícia e a situação é rapidamente empurrada para debaixo do tapete.

As coisas mudam quando Vanessa lê os livros publicados por G. M., alguns dos quais incluem diários da sua vida que relevam a sua obsessão por muitas outras raparigas com a idade de Vanessa, e mais! A forma como G. se refugia em Manila para ter relações com rapazes de 11 e 12 anos. O encanto desfaz-se e a relação entre os dois acaba por terminar. Mas Vanessa passa anos, décadas a lidar com os estilhaços de uma infância roubada desta forma. G. M. publica romances sobre a relação entre os dois. Chega mesmo a publicar um diário que inclui as cartas que Vanessa lhe enviou com 13 ou 14 anos!. Fez o máximo de dinheiro que pôde com a relação ilegal que teve com uma criança. A determinada altura, Vanessa chega mesmo a ter um surto psicótico.

Em 2020, Vanessa publica este livro de grande coragem e, claro, o nome do escritor vem à baila. Sobre o livro, o escritor Gabriel Matzneff disse que era injusto e excessivo e falou da beleza do amor que partilhou com Vanessa (repito: entre um homem de 50 anos e uma rapariga de 13/14) e que esta apenas o tentou destruir.

Acho que, lendo este livro, não há muitas dúvidas sobre quem tentou destruir quem.