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Ler, escrever e viver

Ler, escrever e viver

Um golpe no céu de Jeanine Cummins: a história de um crime real

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Foi numa noite de Abril de 1991 que Julie, Robin e o seu primo Tom decidiram dar uma volta pela ponte do rio Mississipi. Pelo caminho, cruzaram-se com um grupo de quatro rapazes. Este encontro mudaria a vida de todos para sempre.

É esta a sinopse de «Um golpe no céu» de Jeanine Cummins, a autora de «Terra Americana». Como pessoa que gosta de seguir histórias de true crime, principalmente em canais do YouTube, não podia deixar passar este livro. Jeanine é irmã de Tom e prima de Julie e Robin, as duas irmãs que acabaram violadas e mortas naquela noite na ponte do rio Mississipi.

O livro é, assim, um relato do ponto de vista de Jeanine dos crimes, e do pesadelo que se seguiu. Tom, o seu irmão, foi inicialmente considerado suspeito dos crimes e pressionado pela polícia a fazer uma falsa confissão, depois de longas e longas horas de interrogatório. Mas o mais relevante do livro são as reflexões (que só pecam por estarem concentradas nos últimos capítulos) sobre a forma como os media exploram estes crimes, sobre a forma como se focam na histórias dos criminosos, sobre a pena de morte e sobre o impacto profundo que tudo isto tem nas vítimas sobreviventes e nas suas famílias.

Ouvi o audiobook do livro que é lido pela autora e tenho alguma dificuldade em recomendar este livro porque, apesar de ter gostado muito, é um livro muito duro e uma história profundamente triste. Mas necessária.

A queda da casa de Usher e a homenagem aos contos de Edgar Allan Poe

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A nova série da Netflix «A queda da casa de Usher» é uma belíssima homenagem aos contos de Edgar Allan Poe. O título da série vem de um conto com o mesmo nome, em que um homem em fim de vida convida um amigo de longa data para a sua casa, a casa da família Usher, para lhe fazer uma confissão. Na série, o magnata da família Usher tem seis filhos e construiu toda a sua riqueza e poder na indústria farmacêutica, à custa da crise de opióides. Ao longo dos oito episódios, vamos acompanhando a queda de cada elemento desta família e, consequentemente, da casa de Usher. Portanto, apesar de ser baseada em contos do séc. XIX, a série não podia ser mais atual.

Além do título da série remeter para um conto do Poe, cada episódio tem o título de outro conto do autor e vai buscar elementos ao universo de terror de Poe. Em «O gato preto», temos um homem com um gato preto que vai à loucura por causa do álcool (tal como no conto), em «O poço e o pêndulo» temos um pêndulo assassino (tal como no conto), em «A máscara da morte rubra» temos um grupo de ricos a fazer uma festa de máscaras que acaba mal (tal como no conto).

A série faz referência a muitos outros contos, sendo que a minha preferida foi a referência ao conto «A pipa de amontillado», um dos contos mais perversos do autor.

Enfim, tendo já lido muitos dos contos referidos na série, achei uma genial e moderna homenagem a contos que foram escritos há mais de 170 anos! Apesar de ser uma série com elementos de terror, é menos assustadora do que “A mansão de Hill House”, por exemplo. Ainda assim, uma belíssima produção da Netflix que merece todos os elogios.

As cientistas: mulheres intrépidas que mudaram o mundo

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Este livro incrível, escrito e ilustrado por Rachel Ignotofsky, tem uma ilustração e um texto descritivo para cada uma das 52 mulheres notáveis nos campos da ciência, tecnologia, engenharia, matemática, enfim, um mundo inteiro de áreas em que as mulheres singraram desde o passado até ao presente.

Contém algumas mulheres na ciência muito conhecidas, como Jane Goodall e Sylvia Earle, Rachel Carson e Marie Curie e outras que desconhecia. Além disso, tem duas cientistas portuguesas: Branca Marques (química e física) e Elvira Fortunato (engenheira, investigadora e inventora).

Até hoje, as mulheres na ciência continuam a ser uma minoria. Por exemplo, dos mais de 900 laureados com prémios Nobel, apenas 60 são mulheres, e a maioria recebeu o Prémio Nobel da Paz ou da Literatura, e não em áreas científicas. Marie Curie tornou-se muito conhecida por ter sido a primeira mulher a receber o Prémio Nobel na área da Física em 1903 e, mais tarde, viria a receber também o Prémio Nobel da Química. Mas, até hoje, apenas 12 mulheres receberam Prémios Nobel nestas áreas (isto comparado com cerca de 400 homens...).

Se olharmos para a área da Medicina não ficamos muito melhor, uma vez que temos 213 homem galardoados, comparativamente com apenas 12 mulheres.

A verdade é que a história está cheia de mulheres que fizeram descobertas incríveis e que, mais tarde, o crédito dessa descoberta iria parar a um homem. Rosalind Franklin é exemplo disso. Franklin descobriu a estrutura de dupla hélice do DNA. Um colega de Rosalind mostrou a James Watson e Francis Cook a fotografia obtida por Franklin e estes usaram o que viram para publicar o seu próprio trabalho, reduzindo Rosalind a uma mera nota de rodapé.

Muito antes disso, a Lady Mary Wortley Montagu inoculou deliberadamente a sua filha em 1721 com uma pequena dose de varíola. Na altura, as suas ideias foram rejeitadas e ela foi considerada uma ignorante. Mas, Edward Jenner criou a vacina da varíola a partir das ideias e da descoberta de Montagu.

Outro exemplo é a russa Grunya Sukhareva, que não figura neste livro. Sukhareva identificou crianças com autismo nos anos 20 e escreveu sobre isso. Isto foi duas décadas antes de Leo Kanner e Hans Asperger escreverem aquele que seria considerado o primeiro estudo sobre o autismo. Mas, ao contrário dos restantes, Grunya não ficou para a história.

Sukhareva nunca foi citada no artigo de Leo e Hans, o que pode estar relacionado com o facto de Grunya ser judia e Asperger ter ligações ao partido nazi, tendo possivelmente até enviado alguns dos pacientes que estudou para serem mortos.

É claro que nem todas as mulheres importantes da história poderiam figurar neste livro, até porque havia um limite de 52 mulheres, mas faz todo o sentido haver um segundo, e um terceiro, e um quarto...

Furiosamente Feliz de Jenny Lawson: fazer humor com a saúde mental

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Jenny Lawson é a autora do blog The bloggess e também é autora de vários livros de não ficção que se focam em saúde mental, principalmente depressão e ansiedade.

Apesar de ter comprado este livro, que é o primeiro da autora que saiu em Portugal, acabei por ouvir o audiobook no Scribd porque é lido pela autora e é incrível ouvirmos um livro lido pelo próprio autor.

O título «Furiosamente Feliz» relaciona-se com uma teoria da autora de que, se alguém que sofre de depressão, consegue aceder ao “pior” da sua mente, então também conseguirá aceder ao melhor, ou seja, ser furiosamente feliz.

Ao longo dos últimos anos obriguei-me a dizer «sim» a tudo o que fosse ridículo. Saltei para dentro de fontes que não foram feitas para esse fim. Fiz viagens de improviso à caça de óvnis. Persegui tornados. Vesti a pele de um lobo (que morreu de falha renal) para ir à estreia do Twilight gritar para os furiosos fãs dos vampiros «TEAM JACOB». (…) Em resumo, fui um bocadinho doida, não continuamente, mas com repentes. E foi, possivelmente, a melhor coisa que me aconteceu.

Isto não quer dizer que tenha deixado de estar deprimida ou ansiosa ou mentalmente doente. Continuo a passar uma porção de semanas na cama por simplesmente não me conseguir levantar. Continuo a esconder-me debaixo da secretária do meu gabinete sempre que a ansiedade se torna demasiado pesada para me conseguir erguer e combatê-la. A diferença está em que tinha um espaço, como se fosse um armazém no fundo da minha mente, recheado com momentos em que me via a andar em cima de uma corda bamba, a fazer mergulho em grutas há muito esquecidas e a correr descalça por cemitérios com um vestido vermelho de balão a arrastar-se atrás de mim. Sempre a recordar-me de que assim que tivesse forças para sair da cama, iria tornar-me de novo furiosamente feliz. Não apenas para salvar a minha vida, mas para poder fazer a minha vida.

Jenny escreve sobre os seus problemas de saúde mental de forma muito genuína e com um sentido de humor muito peculiar, que cada um pode ou não gostar, mas acho que ler alguns posts do blog ajuda a perceber se o humor dela vos agrada. Outros temas deste livro incluem o hobby de Jenny relacionado com taxidermia, uma viagem à Austrália e bastante fluxo de consciência de pensamentos parvos que tem a meio da noite.

Fiquei agradavelmente surpreendida com este livro e pretendo ler (ou ouvir) os restantes livros da autora.

Há livros nos passadiços (e em frigoríficos)

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Nos passadiços das Escarpas, em Torres Vedras, há um frigorífico antigo com livros.

Apesar de serem mais próximos da estrada do que eu gostaria, os passadiços têm uma vista bonita sobre a praia de Porto Novo. No topo, há mesas e um frigorífico com livros. Lembrou-me um artigo do New York Times sobre os apartamentos minúsculos de Nova Iorque em que, para poupar espaço, há quem decida pôr, por exemplo, a banheira na cozinha (vamos ver quanto tempo demora até estas ideias chegarem a Lisboa...). Uma das pessoas entrevistadas tornou o frigorífico numa estante de livros:

When Edythe Hughes, settled into her Lower Manhattan apartment in 2021, a certain irritating noise kept her up at night. The culprit was the studio’s low boy refrigerator, which is typically installed in restaurant kitchens, not residential ones.

“In this small space, it was just too loud,” Ms. Hughes, 33, said of the heavy-duty appliance. She chose to unplug it, and doesn’t use it for food. “I use it to store books,” she said. (Ms. Hughes purchased a mini fridge to hold her groceries.)

Ms. Hughes often enjoys reading her refrigerator-stored books inside the snug bathtub next to the kitchen sink.

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A breve vida das flores de Valérie Perrin

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Ainda não sei muito bem o quê que aconteceu com este livro. Li as primeiras 100 páginas com muita insistência. Estava a achar o livro demasiado sentimental e um bocadinho aborrecido. Regra geral, não tenho problema nenhum em desistir de livros mas, neste caso, com tanta gente a dizer bem deste livro, decidi insistir. E ainda bem. Porque, apesar de um início difícil, a partir do momento em que senti interesse pela história e pela personagem da Violette, já não consegui parar de ler.

«A breve vida das flores» conta a história de Violette, uma guarda de cemitério numa pequena vila da Borgonha, em França. Ao longo do livro, vamos conhecendo, não só a história de Violette (e os mistérios e segredos que guarda), mas também a história de algumas pessoas que vão passando pelo cemitério onde trabalha.

A sua vida é uma bela recordação.

A sua ausência, uma dor silenciosa.

É uma história muito bem contada, melancólica, escrita de forma simples (o que não é mau) e em capítulos curtos, o que faz com que se leia muito bem. Ao contrário do que eu pensava, não é uma história leve, tem algumas cenas muito pesadas (relacionadas com mortes e luto, ou não se centrasse a história num cemitério). Pela forma como Violette vai contando a história, é fácil sentirmo-nos envolvidos e sentirmos que somos parte da história que ela nos está a contar, o que torna a experiência de leitura muito boa, e diferente de qualquer livro que tenha lido. Por isso sim, agora posso dizer que já percebo o fascínio em torno deste livro.