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Ler, escrever e viver

Ler, escrever e viver

Não te afastes de David Machado: a história de uma amizade improvável

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Quando trouxe este livro da biblioteca, a bibliotecária disse-me que tinha escolhido um livro incrível, e tinha toda a razão.

Após a morte do pai, Tomás acredita que, por sua causa, coisas más acontecem. Assim, decide deixar a família e os amigos, para os proteger, e vai para a cidade. Quando chega, é apanhado de surpresa por um furacão e, no meio das inundações e da confusão, encontra um amigo inesperado… um rinoceronte bebé que tinha sido roubado do jardim zoológico durante o caos do furacão (porque os chifres de rinoceronte valem muito dinheiro).

Apesar de ser um livro mais direcionado para o público juvenil, este é um livro que merece ser lido por todos. É uma história incrível sobre a amizade, o luto e sobre como a amizade nos pode ajudar a superar dificuldades.

Foi o primeiro livro que li de David Machado e fiquei com muita vontade de ler mais livros do autor. Até porque este livro é o primeiro da "Trilogia do furacão" e o segundo já saiu.

Apadrinhei um mocho-galego

Foi num final da tarde de uma sexta-feira de Maio. Estava a ir para casa quando vi uns miúdos a correr atrás de uma gaivota. Parei o carro, os miúdos fugiram, mas a gaivota não, não voava, quase não se mexia.

Não sendo a primeira vez que tenho de entrar em contacto com um centro de recuperação por causa de um animal que precisa de ajuda, já sei que estes centros funcionam em horário das 9 às 17h, e, a partir daí, estamos um bocado dependentes de uma série de fatores (por exemplo, de precisarmos ou não de que alguém venha buscar o animal, de quem nos atende o telefone, etc). Liguei para o SEPNA e pediram-me para deixar a gaivota posto da GNR mais próxima. Pois que, pus a gaivota numa transportadora de gato e deixei-a lá.

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Nos dias seguintes, liguei para o SEPNA e falei com a GNR para tentar saber para onde é que a gaivota tinha sido encaminhada e ninguém me soube dizer nada. Contactei o centro de recuperação mais próximo que eu conhecia e ela não tinha sido entregue lá. Enfim, desisti.

Uns bons meses depois, descobri pelas redes sociais, que a Quercus tinha vários centros de recuperação de animais silvestres em Portugal e que um deles ficava próximo do sítio onde tinha entregue a gaivota. Resolvi mandar mail a perguntar se, por acaso, não tinham recebido uma gaivota em Maio, dizendo o local onde a tinha encontrado, o dia/hora e o posto da GNR onde a tinha deixado.

Honestamente, não achei que fossem responder. Mas não é que responderam? E não é que a gaivota foi mesmo entregue naquele centro e foi reabilitada e libertada duas semanas depois no sítio onde a tinha encontrado? É verdade. Fiquei muito contente, pelo menos, a saga toda de fazer dezenas de telefonemas para perceber o que tinha de fazer com a gaivota e levá-la à GNR deu frutos e ela ficou bem.

Fiquei tão contente que decidi apadrinhar um mocho-galego, pelo programa de apadrinhamento da Quercus, que é uma forma de apoiar estes centros de recuperação.

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Depois recebi um telefonema do centro a dizer que o mocho tinha sido reabilitado e estava pronto para ser devolvido à natureza e fui libertá-lo na serra de Montejunto, onde fica o centro.

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Os centros recebem aves que caíram do ninho, animais atropelados (como raposas, ouriços ou esquilos), aves que foram contra postes elétricos, entre outros. Além disso, também recebem animais silvestres que estavam em cativeiro e foram apreendidos pela GNR e animais que foram atingidos com tiros, visto que já começou a época de caça...

Já sabem que se encontrarem um animal silvestre a precisar de ajuda, podem (e devem) entregá-lo no centro de recuperação mais próximo ou ligar para o SEPNA para serem encaminhados. Se quiserem apadrinhar um animal de um centro da Quercus podem ir aqui. Também podem seguir a Quercus e os seus centros nas redes sociais e partilhar o trabalho incrível que fazem todos os dias.

A velocity of being: o livro incrível sobre leitura

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«A velocity of being: letters to a young reader» é uma edição de Maria Popova, a autora do incrível The Marginalian (antigo Brain Pickings), e de Claudia Bedrick.

Este livro reúne cartas de escritores, como Rebecca Solnit, a Elizabeth Gilbert, o Neil Gaiman, jornalistas, activistas, poetas como a Mary Oliver, filósofos, cientistas, como a Jane Goodall, guionistas como a Shonda Rhimes astrónomos, músicos, sobreviventes da segunda guerra mundial, e outras personalidades a jovens leitores. Cada carta é acompanhada de uma ilustração. Não é necessariamente um livro para crianças, é um livro que se adequa a todas as idades.

Como em qualquer colectânea deste género, há cartas que me disseram mais do que outras. Houve algumas de que gostei especialmente, como a de Neil Gaiman:

Dear Person Reading This, 

A writer can fit a whole world inside a book. Really. You can go there. You can learn things while you are away. You can bring them back to the world you normally live in.

You can look out of another person's eyes, think their thoughts, care about what they care about.

You can fly. You can travel to the starts. You can be a monster or a wizard or a god. You can be a girl. You can be a boy. Books give you world of infinitive possibility. All you have to do is be interested enough to read that first page...

Somewhere, there is a book written just for you. It will fit your mind like a glove fits your hand. And it's waiting. Go and look for it.

Também adorei esta de Mariahadessa Ekere Tallie (poeta e escritora). Isto é só um excerto:

One of the oddest American sayings is: "Curiosity killed the cat." What does it mean when a culture says this? It means stay in your place. Keep your head down. Don't ask questions. Stick with what you know. If it's different, leave it alone. It means don't cross the border. Don't colour outside the lines. Stay put because wherever your curiosity takes you could be dangerous.

Here to the rescue come books, with their covers and pages beckoning. "Bring your curiosity. It's welcome here." Books show us people who pray another way, speak a language we haven't heard, wear clothing and hairstyles we've never imagined, eat food we don't see in our supermarkets. And books show us all we have in common, surrounding us with community we didn't know we needed. Showing us there is no "other". Books let us know we're nt the center of the universe; the universe has many centers.

I looked up "curiosity". It means: a desire to know and learn. Inquisitive. An old meaning is: accomplished with skill or ingenuity. For my ancestors in this country, a desire to know and learn often meant punishment or even death. Maybe curiosity did kill the cat, but the spirit of who I am and who we are has never died. In fact, it's contained in something my mother says. If someone tells her "curiosity killed the cat" she responds "satisfaction brought him back".

If my ancestors weren't curious in the oldest sense of the word, I certainly wouldn't be here. So my advice to you is the same I give my daughters: Keep asking questions. Color outside the lines. Draw your own pictures. Draw your own maps. Create your own legends.

I wish you joy on your quest.

Só mais uma carta de que também gostei muito. Esta é da Debbie Millman:

Dear Reader,

I want to tell you that everything will be okay.

I want to tell you that it will get better.

I want to tell you that it all works out in the end.

But sometimes it doesn't.

Most times it is hard and we usually end up getting used to it. But there is something you can do in response: read.

Read until your heart breaks and you can't stand it anymore. Read until you have paper cuts from turning pages or blisters from swiping a screen.

You see, here's the thing: even at their worst, books won't abandon you. If they make you cry, it's only because they are that good.

You can depend on books. They will always be there for you. Their patience if infinite and they have been known to save lives. (...)

Books - like dogs - are among a handful of things on this planet that just want to be loved. And they will love you back, generously and selflessly, requiring very little in return - until they are complete, their light and their wisdom and their sputtering to an inevitably, lonely end.

E há uma carta escrita por uma portuguesa neste livro! Foi escrita por Isabel Minhós Martins da Planeta Tangerina.

É um livro incrível que infelizmente não está traduzido em português. Os lucros da venda revertem para o sistema de bibliotecas públicas de Nova Iorque.

4 documentários/séries para ver: Take care of Maya, Tell me who I am, Dopesick e Period

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Take care of Maya

Recomendo este documentário da Netflix com algum cuidado, porque aviso já que é de partir o coração. Não quero dar spoilers, mas a história é muito, muito dura. Este documentário conta a história de Maya, uma rapariga que foi diagnosticada com uma condição neurológica muito rara e, por isso, desconhecida por muitos médicos. Maya é levada pelos pais a um hospital da Flórida e, como parte do seu tratamento consiste em tomar quetamina (um fármaco bastante forte para uma criança), o hospital acaba por alertar a proteção de menores e os pais perdem a custódia da filha…

Infelizmente, não só a história só piora a partir daqui, como há milhares de pais nos Estados Unidos a perder a custódia dos filhos como resultado da mistura desastrosa de casos médicos mal compreendidos com um sistema judicial difícil de navegar quando se tem pouco dinheiro, com um sistema de proteção de menores que é, em muitos estados, privado. 

 

Tell me who I am

Acho que já toda a gente viu este documentário, mas é tão incrível que não podia deixar de o recomendar.

Este documentário conta a história de dois irmãos gémeos, um deles tem um acidente de viação e perde a memória de quem foi. A partir daí, confia cegamente no irmão para recriar toda a sua história de vida. Mas, será que o irmão lhe está a contar a verdade? Até que ponto é aceitável escondermos uma memória dolorosa (ou muitas) para proteger alguém.

Uma história sobre memória, trauma e família que é um murro no estômago, mas que é simplesmente imperdível. Muito, muito bom.

 

Dopesick

Apesar de não ser um documentário, é uma série baseada em eventos reais, que merece todo o destaque. Acho que esta série deve ser vista em doses homeopáticas, porque é, de facto, chocante.

A série foca-se na crise dos opióides nos Estados Unidos e explica a forma como a família Sackler, dona da empresa farmacêutica Purdue conseguiu, com o apoio da FDA, pôr no mercado o OxyContin, um medicamento que contém oxicodona (um opióide duas vezes mais potente do que a morfina) que era prescrito para dor moderada e que era, erradamente, promovido como sendo menos aditivo do que outros opióides. O resultado foi que mais de 13 milhões de americanos ficaram viciados nesta droga em algum momento, muitos depois do medicamento ter sido prescrito para dores de dentes, dor crónica, após um acidente de carro, etc.

Esta série mostra, por um lado, a ganância dos Sackler cuja única preocupação é fazer o máximo de dinheiro possível, a corrupção da FDA que aprova o medicamento e conta as histórias das pessoas na América rural que ficaram viciadas, morreram com overdoses, enfim. É chocante e é imperdoável que a pena dos Sackler tenha sido apenas perderem parte da sua fortuna. Nem um único dia de prisão! É surreal. A série está na Disney plus. Há uma série na Netflix com o mesmo tema «Painkiller», mas achei «Dopesick» muito mais bem conseguido.

 

Period.

Saímos dos Estados Unidos para a Índia, onde um grupo de mulheres começa a criar pensos higiénicos, que vendem a um custo baixo, como forma de combater o estigma da menstruação.

O documentário mostra como, quando estão menstruadas, as mulheres na Índia (e não só...) deixam de ir à escola, às vezes, de forma permanente, simplesmente por falta de acesso a produtos menstruais.

«Period: end of sentence» ganhou um óscar em 2019 e merece muito ser visto. Está na Netflix.

 

E vocês, já viram algum destes documentários/séries?

As primas de Aurora Venturini

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«As primas» é a história de uma família disfuncional numa cidade argentina nos anos 40. A história é contada pela voz de Yuna que se refugia da sua vida familiar na pintura e vai dissertando sobre esta casa de mulheres deficientes e abandonadas à sua sorte, com prostituição e homicídio pelo meio.

A voz de Yuna é crua e sem floreados, numa espécie de tragicomédia pouco usual na literatura. 

Não éramos comuns, ou seja, não éramos normais. (…)

Coitada da Betina. Erro da natureza. Coitada de mim, também um erro, e coitada ainda mais da minha mãe, que carregava o esquecimento e monstros.

Numa altura em que policiamos cada vez mais a linguagem (muitas vezes, com toda a razão...), é difícil não nos sentirmos atraídos pela crueza e honestidade deste romance.

Ainda para mais, sabendo que a autora venceu com ele um concurso literário para novos talentos, já com 85 anos. Uma estreia incrível! Espero que sejam traduzidos para português mais livros da autora.

As flores perdidas de Alice Hart: a série e o livro

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Eu sei, eu sei, as pessoas normais lêem o livro e depois vêem a série, mas o hype deste livro passou-me completamente ao lado quando foi publicado em Portugal, em 2018. Quando comecei a ver a série, percebi logo que tinha perdido um grande romance e fui lê-lo.

«As flores perdidas de Alice Hart» começa com esta frase:

Na casa revestida a tábuas, já no fim do trilho, Alice Hart, de nove anos, sentou-se à secretária junto à janela, a sonhar com várias formas de atear fogo ao pai.

Claro que depois de ler isto, já não consegui largar este drama familiar que fala de traumas, violência doméstica e se desenrola à volta de uma série de segredos que vão sendo desvendados um a um.

Depois de uma tragédia na infância, Alice acaba a viver com a avó numa quinta de produção de flores. Confesso que o foco nas flores foi algo que não me disse muito. Cada capítulo começa com uma flor específica e uma descrição do seu significado. A parte boa é que mesmo que não liguem muito à descrição de cada flor, tudo no livro continua a fazer sentido.

Na segunda parte do livro, há um foco na cultura aborígene australiana de que gostei muito. Alice acaba a trabalhar como ranger num parque natural onde os turistas insistem em retirar flores, apesar de ser proibido. A certa altura, a personagem é levada a um armazém cheio de "sorry flowers", ou seja, turistas arrependidos retiram as flores do parque e, mais tarde, escrevem cartas em que enviam de volta as flores.

O fenómeno é baseado nas “sorry rocks”, em que os rangers do Parque Nacional de Uluru-Kata Tjuta recebem, com frequência, pedaços de rochas devolvidas que os turistas não deviam ter retirado do parque.

I believe that my family is experiencing a lot of ill health and bad luck since then and although people may laugh at my superstitious nature I believe the stones are something to do with this. 2000

Também nesta segunda parte do livro, a personagem principal acaba envolvida numa embrulhada e acho que teria feito todo o sentido Alice sair dela sozinha, mas isso acaba por acontecer mais por acaso, do que pela sua auto-determinação. Acho que foi um tiro no pé por parte da autora.

Mas a verdade é que isto acaba por ser corrigido na série da Amazon Prime, que é tão intensa e tão boa como o livro. É uma adaptação incrível e, se não lerem o livro, não deixem de ver a série porque é um drama muitíssimo bem contado por terras australianas. E, pelo sim pelo não, quando visitarem Parques Naturais, deixem tudo como está.