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Ler, escrever e viver

Ler, escrever e viver

As girafas instagramáveis de Nairóbi

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Acho que todas as pessoas que têm Instagram já se depararam com a mansão das girafas de Nairóbi, um hotel caríssimo onde as girafas fazem companhia ao pequeno-almoço. Acontece que, felizmente, estas girafas também podem ser visitadas num centro de conservação em Nairóbi.

O centro trabalha na proteção das girafas de Rothschild, uma subespécie de girafa que se encontra na zona este de África. Quando o centro abriu, no final dos anos 70, só havia 130 girafas desta subespécie no Quénia. Jock e Betty Leslie-Melville, o casal que abriu este centro, levou duas girafas para a sua propriedade em Nairóbi e começou um programa de reprodução em cativeiro, que se mantém até hoje. O objetivo é aumentar a diversidade genética da população na natureza e garantir a continuação desta subespécie.

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As subespécies de girafas podem ser distinguidas pelo padrão de manchas que, no caso das Rothschild, têm manchas onduladas e são creme dos joelhos para baixo. Além disso, o padrão de manchas de cada girafa é único, como as nossas impressões digitais.

Do centro, as crias são introduzidas na natureza quando têm entre 2 a 3 anos e são capazes de viver de forma independente. No dia em que visitámos, algumas crias tinham sido levadas para parques nacionais, pelo que, tirando duas girafas mais curiosas, as outras estavam na floresta, sem vontade nenhuma de se aproximar de nós, o que é compreensível.

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Hoje em dia, já existem mais de 300 destas girafas no país, muito graças ao trabalho deste centro.

A hora do Vampiro de Stephen King

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Tenho uma relação de amor-ódio com os livros do Stephen king. Não gostei muito de «Carrie», mas depois gostei bastante de «O intruso» e de «Escrever», apesar de este ser de não ficção. Para tirar as teimas, decidi ler «A hora do vampiro: Salem’s lot», e ainda bem.

Primeiro, este é um livro de vampiros e isso vem logo no título, mas não entendo porquê. Na sinopse do livro, não há qualquer referência ao assunto e, no livro em si, só descobrimos que o “problema” são vampiros por volta da página 100. Acho que adensava mais o mistério se isto não estivesse logo referido na capa.

Este livro passa-se numa pequena cidade pacata de New England, onde nunca acontece nada. Ben Mears - um escritor que cresceu na cidade - decide regressar para escrever um livro. Ben passou a infância, como muitos miúdos da cidade, atormentado com a a casa Marsten, uma velha mansão, sobre a qual há muitos rumores obscuros.

Entretanto, dois rapazes aventuram-se num bosque e apenas um deles de lá saí, e outras pessoas começam a desaparecer… Ben (escritor) junta-se com um professor, um médico e um padre para investigar o que está a acontecer na cidade.

Como sempre, o Stephen King demora umas boas dezenas de páginas a criar o ambiente do livro mas, depois disso, a escrita fluí bem e o livro, sendo uma história com alguns momentos pesados (como o funeral de uma criança), tem muito sentido de humor.

É um dos primeiros livros do King, foi escrito nos anos 80 e, apesar de não ser tão conhecido como Misery ou O Iluminado, é uma boa aposta para quem gosta de livros de terror/suspense.

O Parque Nacional de Amboseli e uma visita a uma vila maasai

O Parque Nacional de Amboseli, no Quénia, é conhecido por duas coisas: as suas dezenas de famílias de elefantes e uma vista espetacular para o Kilimanjaro.

Infelizmente, a primeira impressão do parque foi uma decepção. O Quénia atravessa um período de seca extrema - estávamos em Outubro e não chovia desde Dezembro do ano passado no Amboseli. Na verdade, esta é a pior seca que o Quénia atravessa em décadas e tem levado à morte de centenas (se não milhares) de animais selvagens. Algumas zonas do parque estavam completamente secas, e cheias de cadáveres de gnus, gazelas, zebras e até alguns elefantes. Viam-se, por outro lado, muitos abutres e hienas.

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Um momento BBC vida selvagem

Isto está a acontecer em todos os parques do Quénia, e não só no Amboseli, e não tem havido intervenção do governo. É verdade que os animais estão em estado selvagem (ou o mais selvagem possível nos dias de hoje) e que devem ter a menor intervenção humana, mas quanto deste período de seca não pode ser atribuído às alterações climáticas? E quantos turistas não vão ao Quénia para ver os animais selvagens? Todos, basicamente. Não sei como é que o governo ainda não percebeu que, sem animais selvagens, não há turismo e sem turismo não há dinheiro.

O resultado da seca também é que, nas zonas verdes e com água, se viam centenas de animais. O grande destaque do parque são as suas 60 famílias de elefantes que atravessam a estrada a poucos metros dos carros, com as crias sempre protegidas no meio dos animais adultos. É maravilhoso! Há girafas, hipopótamos, leões, cobras, muitas espécies de aves e herbívoros. E muitas hienas. Já tinha estado na África do sul, mas nunca tinha visto hienas assim, em grupo, a entrar e sair das tocas, e a passar a muito poucos metros dos carros.

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Outra imagem impressionante do Amboseli é ver os maasai tranquilamente a passear o gado pelo meio do parque, como se não houvesse leões a preguiçar algures.

Há vilas maasai no Amboseli que, como acontece, por exemplo, na Tanzânia, podem ser visitadas.

É uma experiência estranha visitar uma vila maasai. Já tinha lido nalguns relatos que é uma experiência bastante turística e pouco genuína, por isso, tinha as expectativas baixas. Os maasai são uma tribo ancestral do Quénia que ainda mantém muitos costumes tradicionais.

São facilmente reconhecidos porque têm uma marca circular na cara (de queimadura) e buracos nas orelhas que são feitos quando têm cerca de 2 anos. Nesta vila, como noutras, vivem em casas tradicionais pequenas, num regime de poligamia em que um homem pode ter várias mulheres. Isto é comum a vários tribos do Quénia, e não é apenas uma característica dos maasai. No Bomas, um centro cultural em Nairóbi, é possível visitar modelos de tribos ancestrais e, em muitas delas, há uma casa maior para a primeira mulher, mais pequena para a segunda e por aí fora.

A vila tem uma vedação à volta que protege o gado de ataques de animais selvagens, apesar dos maasai também fazerem turnos para haver sempre alguém alerta durante a noite.

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Na cultura maasai, os rapazes são circuncidados com quinze anos (antes de casarem) e as raparigas sofrem mutilação genital na adolescência, porque se considera que uma rapariga não circuncidada traz à morte à sua família.

Durante a visita, foi-nos dito que já não faziam mutilação nas raparigas naquela vila. O Quénia proibiu oficialmente a prática em 2011, mas ela ainda é praticada em muitas vilas maasai, apesar de já haver mulheres e homens maasai a manifestarem-se abertamente contra a prática (como neste artigo da BBC). 

Tradicionalmente, os maasai viviam do gado e da agricultura, mas hoje vivem claramente do turismo.

Na primeira parte da visita, mostram-nos uma dança tradicional da tribo, depois visita-se uma casa tradicional e há uma explicação sobre a comunidade. Depois há uma visita à escola, vendem-nos uma série de produtos tradicionais, como colares, que têm de ser regateados (os quenianos amam regatear) e, por fim há uma dança de despedida. É impossível não reparar que as mulheres são "escondidas" dos turistas. Elas aparecem para as danças e para vender os colares que fizeram. Entre cada um desses momentos, simplesmente desaparecem para dentro das casas.

Apesar destas serem as vilas tradicionais, nem todos os maasai ainda vivem assim. O alojamento no Amboseli onde ficámos era de uma família maasai, formada por um homem com três mulheres e 16 filhos, 13 dos quais rapazes como o senhor fez questão de dizer com todo o orgulho.

A experiência em si é interessante, mas é claro que os maasai evoluíram muito e que já não mantêm muitas tradições (e, muitas vezes, ficamos na dúvida se estão a dizer a verdade ou se nos estão a dizer aquilo que queremos ouvir). Por exemplo, a vila tinha eletricidade por painéis fotovoltaicos e havia telemóveis. Mas faz parte. É uma troca, no fundo. Eles recebem os turistas porque nós temos interesse nas tradições dele e, em troca, eles vivem do turismo e vão absorvendo parte da nossa cultura. E isso não é necessariamente mau. Honestamente, se absorverem algumas das coisas em que evoluímos para melhor, como não praticar mutilação genital, esta troca já valeu a pena.

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O Kilimanjaro

O orfanato de elefantes do Quénia

Nairóbi é uma cidade absolutamente caótica. Não há descrição possível para aquele caos e não tenho fotografias, porque estava sempre mais preocupada em 1) não cair nas centenas de buracos que existem nas ruas; 2) tentar atravessar a estrada sem ser atropelada; 3) ignorar todas as pessoas que nos tentam vender qualquer coisa o tempo todo, em todo o lado.

Mas, tem algumas coisas muito boas. E uma delas é o orfanato de elefantes que pertence ao Sheldrick Wildlife Trust.

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Este projecto tem unidades veterinárias móveis que procuram animais que precisem de ajuda e, se necessário, os levam para o orfanato. Lá, cuidam de elefantes que são encontrados órfãos, seja por as mães terem sido vítimas de armadilhas e caça, do conflito entre os humanos e os animais, ou por terem algum problema de saúde (um dos elefantes de que cuidam, por exemplo, tem epilepsia).

Uma vez no orfanato, os elefantes passam por um período de luto e são cuidados pelos tratadores durante 24h por dia (inclusivé os tratadores dormem com eles para não ficarem sozinhos) e são alimentados com leite a cada 3 horas.

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A partir dos 3 anos, os elefantes estão prontos para serem reintegrados, o que acontece no parque do Tsavo, também no Quénia. Todos os elefantes têm de ser integrados numa família, por isso, todos os dias, os elefantes saem da unidade de manhã, andam pelo parque (seguidos de perto pelos tratadores), contactam com os outros elefantes e aprendem como se comportar nesta sociedade matriarcal e, à noite, voltam para a segurança da unidade. Isto acontece até o elefante estar integrado e decidir não regressar, o que pode demorar uma década.

Uma das coisas mais incríveis deste processo é que os elefantes voltam, de tempos a tempos, à unidade. As fêmeas voltam para mostrar as suas novas crias e os elefantes feridos voltam para pedir ajuda.

Ainda assim, talvez o mais incrível de todo este processo não sejam os elefantes, mas a relação que eles desenvolvem com os seus tratadores.

A visita guiada ao centro dura uma hora e, durante esse período, vemos dois grupos de elefantes (de um total de 32), vir a correr para beber leite e para se encher de terra. Pelo meio, brincam uns com os outros, há um mais velho que tenta roubar o leite a um mais novo e se, por um lado, se nota que têm muito respeito aos tratadores, por outro é aos tratadores que vão pedir mimos e brincadeira.

É uma infelicidade que seja preciso haver um projecto como este (derivado, como sempre, de problemas que nós criámos), mas é maravilhoso que exista quem esteja disposto a ter uma dedicação completamente fora de série (de décadas!) a estes animais.