O Parque Nacional de Amboseli, no Quénia, é conhecido por duas coisas: as suas dezenas de famílias de elefantes e uma vista espetacular para o Kilimanjaro.
Infelizmente, a primeira impressão do parque foi uma decepção. O Quénia atravessa um período de seca extrema - estávamos em Outubro e não chovia desde Dezembro do ano passado no Amboseli. Na verdade, esta é a pior seca que o Quénia atravessa em décadas e tem levado à morte de centenas (se não milhares) de animais selvagens. Algumas zonas do parque estavam completamente secas, e cheias de cadáveres de gnus, gazelas, zebras e até alguns elefantes. Viam-se, por outro lado, muitos abutres e hienas.
Um momento BBC vida selvagem
Isto está a acontecer em todos os parques do Quénia, e não só no Amboseli, e não tem havido intervenção do governo. É verdade que os animais estão em estado selvagem (ou o mais selvagem possível nos dias de hoje) e que devem ter a menor intervenção humana, mas quanto deste período de seca não pode ser atribuído às alterações climáticas? E quantos turistas não vão ao Quénia para ver os animais selvagens? Todos, basicamente. Não sei como é que o governo ainda não percebeu que, sem animais selvagens, não há turismo e sem turismo não há dinheiro.
O resultado da seca também é que, nas zonas verdes e com água, se viam centenas de animais. O grande destaque do parque são as suas 60 famílias de elefantes que atravessam a estrada a poucos metros dos carros, com as crias sempre protegidas no meio dos animais adultos. É maravilhoso! Há girafas, hipopótamos, leões, cobras, muitas espécies de aves e herbívoros. E muitas hienas. Já tinha estado na África do sul, mas nunca tinha visto hienas assim, em grupo, a entrar e sair das tocas, e a passar a muito poucos metros dos carros.
Outra imagem impressionante do Amboseli é ver os maasai tranquilamente a passear o gado pelo meio do parque, como se não houvesse leões a preguiçar algures.
Há vilas maasai no Amboseli que, como acontece, por exemplo, na Tanzânia, podem ser visitadas.
É uma experiência estranha visitar uma vila maasai. Já tinha lido nalguns relatos que é uma experiência bastante turística e pouco genuína, por isso, tinha as expectativas baixas. Os maasai são uma tribo ancestral do Quénia que ainda mantém muitos costumes tradicionais.
São facilmente reconhecidos porque têm uma marca circular na cara (de queimadura) e buracos nas orelhas que são feitos quando têm cerca de 2 anos. Nesta vila, como noutras, vivem em casas tradicionais pequenas, num regime de poligamia em que um homem pode ter várias mulheres. Isto é comum a vários tribos do Quénia, e não é apenas uma característica dos maasai. No Bomas, um centro cultural em Nairóbi, é possível visitar modelos de tribos ancestrais e, em muitas delas, há uma casa maior para a primeira mulher, mais pequena para a segunda e por aí fora.
A vila tem uma vedação à volta que protege o gado de ataques de animais selvagens, apesar dos maasai também fazerem turnos para haver sempre alguém alerta durante a noite.
Na cultura maasai, os rapazes são circuncidados com quinze anos (antes de casarem) e as raparigas sofrem mutilação genital na adolescência, porque se considera que uma rapariga não circuncidada traz à morte à sua família.
Durante a visita, foi-nos dito que já não faziam mutilação nas raparigas naquela vila. O Quénia proibiu oficialmente a prática em 2011, mas ela ainda é praticada em muitas vilas maasai, apesar de já haver mulheres e homens maasai a manifestarem-se abertamente contra a prática (como neste artigo da BBC).
Tradicionalmente, os maasai viviam do gado e da agricultura, mas hoje vivem claramente do turismo.
Na primeira parte da visita, mostram-nos uma dança tradicional da tribo, depois visita-se uma casa tradicional e há uma explicação sobre a comunidade. Depois há uma visita à escola, vendem-nos uma série de produtos tradicionais, como colares, que têm de ser regateados (os quenianos amam regatear) e, por fim há uma dança de despedida. É impossível não reparar que as mulheres são "escondidas" dos turistas. Elas aparecem para as danças e para vender os colares que fizeram. Entre cada um desses momentos, simplesmente desaparecem para dentro das casas.
Apesar destas serem as vilas tradicionais, nem todos os maasai ainda vivem assim. O alojamento no Amboseli onde ficámos era de uma família maasai, formada por um homem com três mulheres e 16 filhos, 13 dos quais rapazes como o senhor fez questão de dizer com todo o orgulho.
A experiência em si é interessante, mas é claro que os maasai evoluíram muito e que já não mantêm muitas tradições (e, muitas vezes, ficamos na dúvida se estão a dizer a verdade ou se nos estão a dizer aquilo que queremos ouvir). Por exemplo, a vila tinha eletricidade por painéis fotovoltaicos e havia telemóveis. Mas faz parte. É uma troca, no fundo. Eles recebem os turistas porque nós temos interesse nas tradições dele e, em troca, eles vivem do turismo e vão absorvendo parte da nossa cultura. E isso não é necessariamente mau. Honestamente, se absorverem algumas das coisas em que evoluímos para melhor, como não praticar mutilação genital, esta troca já valeu a pena.
O Kilimanjaro