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Ler, escrever e viver

Ler, escrever e viver

Cá dentro: um manual sobre o cérebro para todas as idades

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Este livro da editora Planeta Tangerina, da autoria de Isabel Martins e Maria Pedrosa, propõe-se a ser um guia sobre o cérebro para todas as idades. Já o tinha folheado numa livraria em Évora, mas acabei por o adquirir na feira do livro.

O livro aborda temas como a memória, a criatividade, as neurodiversidades, os sentidos, as emoções, de uma forma simples mas, nem por isso, desinteressante. Acho que é muito difícil conseguir este equilíbrio entre passar informação complexa de uma forma simples que, ao mesmo tempo, seja interessante para quem tem mais conhecimento, e acho que este livro faz isso muito bem.

As páginas são belíssimamente ilustradas pela Madalena Matoso e o livro tem uma equipa impressionante de revisores, entre investigadores de neurociências e neurologistas que, no final do livro, falam sobre a sua experiência a trabalhar na área.

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Voluntariado Internacional: sim ou não?

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Há neste blog um post (bem antigo) chamado «Guia de voluntariado Internacional». Na altura, quando estava na faculdade, fiz vários projectos de voluntariado fora de Portugal, com tartarugas marinhas na Grécia, com focas na Holanda e com animais marinhos no Brasil.

Em todos os casos, paguei um valor que me pareceu justo e que cobriu alojamento e, nalguns casos, alimentação. Estamos a falar de um valor que nunca ultrapassou os 350-450 euros por 4-6 semanas.

Na altura, tinha uma percepção boa (e algo ingénua) do voluntariado internacional. Num workshop de escrita, conheci uma rapariga que tinha feito voluntariado com crianças num país do sudeste asiático. O objetivo era ensinar-lhes inglês mas, na prática, acabavam a ensinar-lhes coisas básicas de higiene. A cada duas semanas os voluntários mudavam. Ou seja, aquelas crianças conheciam um voluntário que estava na sua sala de aulas todos os dias, afeiçoavam-se e algumas semanas depois, despediam-se e conheciam um novo.

Mas não é só no voluntariado com crianças que há situações dúbias. Um projecto na África do sul com leões que “namorei” durante muito tempo era, na realidade, uma fachada onde os voluntários pagavam para tomar conta de leões bebés (quem não quereria tal tarefa?) que eram reproduzidos para depois serem vendidos para serem caçados. O projecto vendia-se, no entanto, como um projecto de conservação e as pessoas envolvidas esquivavam-se de responder a muitas perguntas dos voluntários.

Hoje em dia, há muitas empresas (até em Portugal) que “vendem” experiências de voluntariado internacional. Tornou-se um negócio. Pedi valores numa dessas empresas antes de escrever este texto e, por 1000-2000 euros por 2-4 semanas (sem voos) podem ter uma destas experiências. O projecto faz questão de dizer que não se está a pagar para fazer voluntariado, mas sim pelo alojamento e refeições, além de uma parte ser doada para a organização. Mas, a não ser que o alojamento seja num bom hotel (imagino que não), onde é que está o breakdown dos custos para se perceber para onde vai exactamente este dinheiro?

Não sou contra o voluntariado internacional, mas acho que:

  1. Só faz sentido se o voluntário puder efetivamente acrescentar valor no período de tempo que tem disponível (estar duas semanas a ensinar inglês a crianças que nunca aprenderam inglês na vida tem impacto?)

  2. Só faz sentido se o projecto for ético (a melhor forma de contornar isto é pesquisar pelo projecto no google e ler relatos de voluntários ou contactar diretamente o projecto e fazer perguntas - se forem pouco transparentes nas respostas, podem estar a esconder alguma coisa)

  3. Só faz sentido se os valores pedidos forem justos, se estivermos a falar de associações e houver transparência em relação ao destino dos valores pagos

  4. Só faz sentido se não for um disfarce para exploração laboral - como acontece, por exemplo, neste caso em Portugal e que está muito presente em plataformas como a workaway onde os “voluntários” acordam trabalhar x horas por dia em empresas privadas (como quintas ou escolas de surf) a troco, por exemplo, de estadia e alimentação

Continuo a achar que há espaço para o voluntariado internacional, mas também acho que há muitas coisas que são, hoje em dia, vendidas como “voluntariado” mas que, na realidade, não o são. Infelizmente, as boas intenções não chegam para garantir que não estamos a participar nalguma coisa de que nos vamos arrepender mais tarde.

Talvez devesses falar com alguém de Lori Gottlieb

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Eu já suspeitava que ia gostar muito deste livro, só pela premissa - uma terapeuta que decide fazer terapia e escreve sobre a sua história e dos seus pacientes. Não estava enganada. Apesar de estar classificado como “auto-ajuda”, esse conceito que em Portugal parece abarcar tudo e mais alguma coisa, «Talvez devesses falar com alguém» é, sobretudo, um livro de memórias, onde Lori fala sobre a sua vida e dos seus pacientes, analisando-as com a sua lente de psicoterapeuta.

Como terapeuta, sei muito sobre a dor, sobre como ela está ligada à perda. Mas também sei algo que, em geral, não é tão compreendido: que a mudança e a perda andam de braços dados entre si. Não podemos mudar sem perder, e é por isso que as pessoas dizem tantas vezes que querem mudar, mas ficam exatamente na mesma.

Há histórias mais interessantes do que outras, mas quase todas têm algum ponto de interesse, seja a da idosa que quer suicidar-se, do produtor de Hollywood que esconde um segredo ou da jovem com uma doença terminal. A verdade é que, mesmo com histórias diferentes, os problemas que levam as pessoas a fazer terapia são, quase sempre, semelhantes.

(…) por vezes digo-lhes “Se a rainha tivesse tomates, seria o rei”. Se formos demasiado exigentes na vida, se não reconhecermos que “o perfeito é inimigo do bom”, podemos privar-nos de alegria.

Neste momento, a rainha já é o rei (pelo menos no UK), mas a ideia percebe-se na mesma.

Acho curioso que uma crítica feita a este livro é não sabermos onde está a verdade e a ficção. Como é lógico, a autora mudou nomes e histórias para os seus pacientes não poderem ser reconhecidos pelos leitores. Não acho que isso prejudique o livro. As histórias são verosímeis e as notas de Lori sobre cada uma acabam por ser o “sumo” deste livro.

Há um ditado popular que é uma frase de um poema de Robert Frost: “A única saída é pelo meio”. A única maneira de chegar ao outro lado do túnel é atravessá-lo, não contorná-lo. (…) Os nossos eus mais jovens pensam em termos de princípio, meio e algum tipo de resolução. Mas, algures pelo caminho - talvez nesse meio - percebemos que toda a gente vive com coisas que podem não ser resolvidas. Que o meio tem de ser a resolução - e compreender o seu significado torna-se a nossa tarefa.

Nunca reparo nas traduções dos livros, a não ser quando estão mal feitas mas, neste caso, gostei bastante das notas da tradutora Sónia Maia. Uma ótima leitura, mesmo para quem não tem o hábito de ler livros de não ficção.

O quarto de Giovanni de James Baldwin e banir livros em 2022

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Decidi ler «O quarto de Giovanni» de James Baldwin, depois de ser referido em «Nadar no escuro», um livro de que gostei muito.

Este clássico conta a história de David e Giovanni, dois homens que se conhecem e apaixonam em Paris e foi publicado nos anos 50. Confesso que apesar de ter gostado deste livro, não gostei tanto quanto de «Nadar no escuro».

Enquanto lia este livro, deparei-me com este estudo sobre o aumento recente de livros censurados nos Estados Unidos, maioritariamente em Estados Republicanos, como o Texas.

Já vi muita gente justificar isto dizendo, com alguma razão, que os livros têm de ser apropriados à idade. Ora, segundo este estudo, só 22% dos livros banidos o foram por terem algum tipo de conteúdo sexual. Quase metade (44%) foram banidos por terem personagens LGBTQIA+, logo a seguir temos livros que abordam o tema do racismo (como o «Mataram a cotovia», um livro absolutamente inofensivo contado do ponto de vista de uma criança). Enfim, inofensivo se considerarem que o racismo existe e deve ser abordado.

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Não deixa de ser irónico que, numa altura em que se discute se os jovens ainda lêem, haja um esforço tão grande para banir livros. Livros esses que qualquer adolescente com acesso à internet consegue arranjar em menos de nada… E todos sabemos que, muitas vezes, o fruto proibido é o mais apetecido.

É claro que banir livros nunca está certo, o acesso deve ser o mais livre possível, principalmente nas escolas e universidades, mas também é verdade que o tiro pode sair pela culatra. Por exemplo, este artigo da reader’s digest fala sobre adolescentes que estão a criar clubes de leitura de livros banidos e que lêem, por exemplo, a novela gráfica de «A história de uma serva», que li recentemente e que está editada em Portugal pela Bertrand. Também não me passa ao lado a ironia de se banir um livro como este, em que há punição para as mulheres que decidam, por exemplo, ler um livro.

No mesmo registo, o The pudding, que é uma revista online com ensaios visuais, publicou recentemente um artigo sobre a censura que a China fez à série «A teoria do Big Bang». A série está disponível mas muitas cenas foram encurtadas ou eliminadas, levando a uma edição, no mínimo, estranha. Entre as cenas cortadas estão precisamente referências à comunidade LGBTQ+. Podem ver o ensaio aqui.