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Livros, viagens e tudo o que nos acrescenta

Heimat de Nora Krug: o álbum de fotografias do Holocausto

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Algures no livro «Born a crime» do Trevor Noah, há uma história sobre um rapaz que decide que o seu nome de DJ vai ser Hitler. Para contexto, Trevor Noah nasceu na África do sul e é lá que a história se passa. O objectivo daquela história é passar a ideia de que, nascendo na Europa (ou nos Estados Unidos), ouvimos falar do Holocausto até à exaustão, mas isso não é necessariamente verdade noutras partes do mundo.

Por exemplo, falamos muito menos de genocídios que aconteceram em África, como o do Ruanda. A história pode não mudar, mas a perspectiva que temos dela varia consoante o sítio onde nascemos, a educação que tivemos...

Este livro fala muito sobre isso. Nora é alemã e, apesar de ter nascido muito depois do Holocausto, cresceu com a culpa e o peso de ser alemã. 

Mais tarde, vai viver para os Estados Unidos e é aí que decide procurar a história da sua família e fazer as pazes com a sua identidade. O problema? Há medida que vai desenhando a árvore genealógica e desenterrando o passado, Nora descobre ligações familiares ao partido nazi.

Tenho-me surpreendido cada vez mais com novelas gráficas. Se antes as olhava com alguma desconfiança, hoje vejo que há trabalhos belíssimos e este é um deles. O livro é tão bonito que quando o comprei numa livraria de Dublin, a rapariga da caixa ficou a folheá-lo e a perguntar-me onde o tinha encontrado porque era muito bonito e nunca tinha dado por ele.

As páginas do livro são recheadas de ilustrações, colagens, fotografias e documentos de época. À medida que o livro vai avançando, vamos acompanhando a viagem de Krug pelo passado da sua família e pelas ligações ao partido nazi.

O título «Heimat» é uma palavra alemã que não tem propriamente tradução. Heimat é um sentimento de "casa", de pertencer a um determinado lugar onde nos sentimos bem. É um termo com bastante controvérsia porque está ligado a identidade e a nacionalismo.

A história de alguém que tenta fazer as pazes com o passado da sua família não é inovadora, mas as ilustrações, as fotografias, os desenhos e os recortes de jornal fazem deste livro algo de muito especial. Recomendo muito.

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A biblioteca do Trinity College: o melhor de Dublin

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É difícil descrever a experiência de visitar Trinity College. Primeiro, paga-se 18 euros por uma experiência de 30 minutos. Depois, um grupo enorme é enfiado numa sala com alguns painéis informativos e uma aplicação com um áudio-guia. A sala seguinte é o Book of Kells, onde um segurança vai avisando que não se pode tirar fotografias, enquanto tentamos espreitar a página aberta do livro por entre um mar de turistas.

O Book of Kells é um manuscrito em latim que contém os quatro evangelhos do novo testamento. As páginas foram criadas por monges com pele de 150 bezerros, que foi preparada para a escrita. Sim, pele de bezerro.

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A última sala é a Old Library, onde tudo é redimido e que vale cada cêntimo da visita.

Esta biblioteca de 1732 contém cerca de 200 mil livros que ainda são utilizados. É enorme e simplesmente magnífica. Não admira que já tenha sido usada por escritores como Oscar Wilde, Samuel Beckett e Bram Stoker e que seja considerada uma das bibliotecas mais impressionantes do mundo.

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Há bustos de escritores e filósofos expostos ao longo da sala de personalidades como Shakespeare e Isaac Newton. Num total de 40, há zero bustos de mulheres. Os quatro primeiros deverão estar concluídos em breve e as mulheres escolhidas são: Rosalind Franklin (cientista), Augusta Gregory (dramaturga), Ada Lovelace (matemática) e Mary Wollstonecraft (escritora e activista pelos direitos das mulheres).

Na verdade, a história da Universidade explica bem esta ausência.

Apesar de uma campanha fervorosa que durou algumas décadas, o reitor da universidade opunha-se à entrada de mulheres em Trinity. Consta que terá dito que só entraria uma mulher naquela universidade por cima do seu cadáver. Em 1904, o reitor morreu e o Trinity recebeu as primeiras alunas.

Hoje em dia, a reitora do Trinitty é uma mulher.

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Uma fotografia das primeiras alunas do Trinitty

Curiosamente, um dos objectos em exposição na biblioteca é a proclamação da Irlanda de 1916, que começa com “Irishmen and irishwomen”, algo muito progressivo para a época.

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Proclamação da Irlanda de 1916

Além da visita ao livro de Kells e à biblioteca, é possível visitar os jardins do campus da universidade de forma gratuita. Quem já viu a série «Normal People» da HBO talvez reconheça o campus, uma vez que aqui foram gravadas cenas de exteriores.

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Dublin em 13 fotografias

Ou 12 coisas grátis para fazer em Dublin

Pode ser resultado de dois anos de pandemia, mas voltar a viajar e passar 4 dias em Dublin foi fantástico. De certa forma, parece que nada mudou no mundo e, ao mesmo tempo, tudo mudou.

Ninguém usa máscaras na Irlanda e, se ao início se estranha, rapidamente uma pessoa se habitua a este novo estágio do mundo que ninguém definiu tão bem como o comediante Trevor Noah quando disse: I can’t believe we got rid of a pandemic by getting bored with it.

Esta foi uma viagem adiada desde 2020. Por isso, já não sei que expectativas tinha para Dublin, mas fiquei agradavelmente surpreendida com tudo. Surpreendi-me com a simpatia dos irlandeses, com a vida da cidade, com a quantidade de história escondida nos detalhes em Dublin, com a quantidade de parques verdes na cidade, com a música e as lendas, e com a biblioteca do Trinitty College que, para quem gosta destas coisas, é imperdível.

A melhor forma de conhecerem Dublin em pouco tempo, ou de terem uma boa introdução à cidade se ficarem mais tempo, é fazer uma free walking tour. Basicamente, é uma tour em que conhecem a cidade e, no final, pagam se quiserem e quanto quiserem. Fiz esta e foi assim que conheci a maior parte das coisas neste post. Gostei muito e valeu a pena, mas também gostaria muito de ter feito esta (as tours são feitas por sem-abrigo que vivem em Dublin). Além de empregar sem-abrigo (e há muitos sem-abrigo em Dublin...), ficam a conhecer as ruas da cidade por alguém que as conhece demasiado bem.

 

Passear no Stephen’s Green:

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Aquilo que, à partida é um parque verde simpático é também um marco fundamental na história da cidade. Stephen’s Green foi o epicentro do Easter rising, a rebelião de 1916 em que houve uma tentativa de libertar a Irlanda da colonização inglesa. Apesar de não ter resultado, vários envolvidos foram presos e executados, o que acabou por virar a opinião pública contra os ingleses.

 

Graffton Street:

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Graffton street é conhecida pelos artistas de rua. Ed sheeran tocou aqui muito antes de se tornar famoso e outros artistas tentam a sua sorte todos os dias. Allie Sherlock começou a cantar em Graffton street com 11 anos e, mais tarde, tornou-se conhecida quando apareceu no programa da Ellen Degeneris. Todos os dias, há pessoas a cantar, a tocar acordeão ou colheres.

Como se vê na imagem, há bandeiras da Ucrânia espalhadas por toda a cidade, não só nas ruas, mas também nas janelas das casas, uma iniciativa da câmara de Dublin.

 

Ver a estátua de Molly Malone:

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Esta estátua de Molly Malone é, essencialmente, um ponto turístico. Ninguém sabe se Molly Malone existiu ou não, mas uma música tornou-a numa personagem e depois fez-se esta estátua em que os turistas se acumulam para tirar fotografias. A estátua não é nada de especial, mas vale muito a pena ouvir a música que deu origem a este ponto turístico.

 

Ver os graffitis:

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Há muitos graffitis espalhados pela cidade. Junto à The Icon Factory, na zona de temple bar, há uma série de retratos de personalidades da Irlanda que vale muito a pena ver. The Icon Factory é uma associação sem fins lucrativos que apoia artistas na cidade.

 

Ver o Temple Bar:

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É o pub mais fotografado do mundo mas, na realidade, temple bar é o nome de todo um quarteirão (e não apenas do bar). Esta zona tem a maior parte dos pubs de Dublin.

 

Admirar a fachada do Bank of Ireland:

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O banco da Irlanda não tem janelas. Nenhuma. Zero. Durante o período de colonização pelos britânicos, eles introduziram uma “window tax” em que os irlndenses pagavam mais pelas janelas que tinham. Por isso, o banco foi construído sem janelas. Isto levou as pessoas a dizerem que, quando se mete dinheiro no banco da Irlanda, ele não volta a ver a luz do dia.

 

Ver a livraria Hodges Figgis:

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Neste caso só é grátis se não comprarem nada o que, nesta livraria, me parece humanamente impossível, mas não podem dizer que não avisei...

Hodges Figgis foi fundada em 1768 e aparece referida no Ulisses de James Joyce. A livraria tem 3 pisos e encontra-se de tudo, desde uma secção de literatura irlandesa (como não podia deixar de ser), a livros temáticos, a uma secção incrível de banda desenhada (que tinha até uma versão em inglês de «Balada para Sophie»). Os livros são surpreendentemente baratos comparando com os preços em Portugal.

 

Apreciar as referências literárias:

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Além de Dublin ter muitas livrarias, há referências literárias espalhadas por toda a cidade, como este banco de jardim do Stephen's Green e a estátua do Oscar Wilde.

 

Ver Christ church e Saint Patrick:

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Há duas catedrais mais conhecidas em Dublin, Christ Church (na imagem) e Saint Patrick’s. Podem visitar as duas por dentro, mas a entrada é paga.

 

Visitar a Chester Beatty Library:

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Passei tão pouco tempo neste museu que não ia escrever sobre isso, mas a Chester Beatty Library é grátis, e em Dublin isso é raro. Quase todos os pontos turísticos de Dublin são pagos e caros, mas este museu simpático é a excepção. 

Chester Beatty alberga a colecção de Sir Alfred Chester Beatty. Apesar de ser algo difícil de definir, a colecção concentra-se muito em torno dos primeiros manuscritos, materiais de escrita e livros dos diversos povos do mundo. Apesar de haver uma exposição permanente e outras temporárias, como nos explicaram à entrada, a exposição permanente muda a cada 3-4 meses pelo que, em cada momento, está disponível cerca de 1% do espólio do museu.

 

Conhecer o The Church:

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O The Church é uma igreja do séc. XVII que deixou de funcionar no séc. XIX e abriu como restaurante em 2005. Podem entrar apenas para conhecer o espaço, mas vale muito a pena fazer uma refeição aqui. Além do local ser impressionante, há música e dança tradicional de sábado a quinta a partir das 19 horas. Devem fazer marcação, o staff tenta sempre encaixar quem decide aparecer sem ter marcado nada.

Tive muitas dúvidas se valeria a pena visitar o The Church. Às vezes, os sítios tornam-se tão populares que acabam por perder a essência e por ser mais uma armadilha para turistas do que outra coisa. Mas este restaurante é uma experiência imperdível na cidade.

 

Ver a zona Norte:

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Todas as cidades têm zonas mais e menos recomendáveis e horas mais e menos recomendáveis, e Dublin não é excepção. Dublin está dividido pelo rio em duas zonas: norte e sul. A zona sul é onde estão quase todos os pontos turísticos (à exceção do Famine Memorial e de Henrietta Street e pouco mais). A zona norte tem má fama e é conhecida por as pessoas serem “rough around the edges”. Basicamente, quem tem dinheiro vive na zona sul e, quem não tem, na zona norte. Basta passar a ponte para ver logo as diferenças. Apesar disso, os dois pequenos incidentes que tivemos na cidade foram na zona sul. Por isso, enfim, deve-se ter os cuidados habituais (principalmente à noite) seja em que zona da cidade for.

Ainda assim, vale mesmo a pena dar um saltinho à zona norte para ver as fachadas georgianas e o museu Henrietta, que é um museu delicioso, e de que vou falar mais para a frente.

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