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Ler, escrever e viver

Ler, escrever e viver

4 podcasts que ando a ouvir

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Já tinha escrito aqui sobre quatro podcasts que gosto de ouvir. Mas como vão sempre surgindo novos podcasts, aqui ficam mais quatro que tenho gostado de ouvir.

 

Livra-te de Rita da Nova e Joana da Silva:

Um podcast sobre livros com conteúdos como tags, recomendações de livros, enfim, tudo aquilo que quem gosta de livros nunca se cansa de ouvir. Podem saber mais sobre o podcast aqui.

 

Reset de Mariana Cabral:

Já tinha gostado muito da primeira temporada deste podcast (que também está disponível no youtube) sobre falhanços. Nesta segunda temporada, este episódio com o Valter Hugo Mãe é absolutamente delicioso.

 

A caravana de Rita Ferro Alvim:

Um podcast que é essencialmente de conversas. Não oiço todos os episódios, depende dos convidados, mas adorei este episódio com a Teresa Guedes sobre o Zoo de Santo Inácio. Há muitas ideias erradas sobre os parques zoológicos e, nesta conversa, fala-se muito sobre o papel fundamental dos zoos na conservação das espécies.

 

Somos todos malucos de António Raminhos:

Um podcast com conversas de saúde mental. Gostei muito de vários episódios, como este em baixo com o Tiago André Alves que tinha sido diagnosticado com um cancro terminal, ou o episódio «O hábito não faz o monge» com o monge que conheci quando fui ao mosteiro budista da ericeira há uns anos atrás.

Olive Kitteridge: o livro e a série da HBO

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Voltei a trocar aos voltas ao mundo dos livros e vi a série da Olive Kitteridge na HBO antes de ler o livro. Na verdade, vi a série duas vezes e só depois decidi dar uma oportunidade ao livro. É um daqueles casos em que não acho o livro melhor do que a série, acho que se complementam na perfeição.

A mini série de quatro episódios da HBO é mais focada na vida de Olive, mostrando quatro épocas diferentes ao longo de três décadas da sua vida. É Frances McDormand no seu melhor e é uma série brilhante mas difícil de digerir.

O livro de Elizabeth Strout que ganhou o Pulitzer em 2009 é um conjunto de contos passados na pequena povoação do Maine onde Olive vive com o marido. Nalguns contos, Olive surge como a personagem principal e noutros como uma personagem secundária.

Sabe que a solidão pode matar; de diferentes maneiras, pode fazer com que uma pessoa morra. A perspetiva privada de Olive é que a vida depende do que ela considera «grandes alegrias» e «pequenas alegrias». As grandes alegrias são coisas como o casamento ou filhos, intimidades que nos mantêm à tona, mas essas grandes alegrias contêm perigosas correntes invisíveis. E é por isso que necessitamos também das pequenas alegrias: um funcionário simpático nos armazéns Bradlees, por exemplo, ou a empregada do Dunkin' Donuts que sabe como cada cliente gosta do café.

Estes contos têm histórias de problemas de saúde mental, de luto, de perda, de tristezas várias e, por isso mesmo, são difíceis de digerir. Mas são também a realidade da vida de todos nós, pelo menos, nalgumas fases da nossa vida.

Entretanto, Elizabeth Strout publicou um segundo volume sobre Olive Kitteridge, que já está publicado em Portugal e que quero muito ler. Há qualquer coisa de muito especial na forma como esta autora consegue dizer muito sobre uma personagem em pequenos gestos:

Estão perfeitos - disse ela ao cozinheiro, porque a parte de cima dos queques estava estaladiça nas pontas, amarela como sóis-nascentes. O facto de o seu cheiro acabadinho de sair do forno não lhe causar náuseas, como acontecera por duas vezes no ano anterior, entristeceu-a; um ligeiro desânimo abateu-se sobre si. O médico dissera-lhes: Durante três meses, não podem sequer pensar nisso.

Além dos livros de Olive Kitteridge, Strout tem mais dois romances publicados em Portugal. As traduções são de Tânia Ganho.

Entre dois reinos de Suleika Jaouad

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Queria muito ler este livro e fiquei agradavelmente surpreendida quando vi que, não só tinha sido editado em português, como tinham mantido a capa original.

Suleika estava a viver a vida normal de uma pessoa com vinte e poucos anos que terminou a faculdade, quando teve a vida interrompida por uma leucemia. O estágio em Paris foi substituído por longos ciclos de quimioterapia e períodos passados no hospital. Durante anos, esta torna-se a realidade de Suleika e há algumas partes bastante duras de ler.

Algures neste processo, Suleika cria um blog e acaba a escrever uma coluna semanal para o New York Times que ganhou um Emmy. Recebe dezenas de cartas de leitores que, de alguma forma, se reveem naquilo que escreveu.

Ao tentar voltar à sua vida normal depois da cura, Suleika descobre que se tinha tornado outra pessoa:

A recuperação não é um período em que tratamos de nós cuidadosamente e que nos devolve a um estado pré-doença. A palavra até pode sugerir outra coisa, mas "recuperação" não tem nada a ver com recuperar o antigo. É sobre aceitar que temos de nos despedir para sempre de um eu que nos é familiar e abraçar um que está a nascer. É um ato de descoberta crua, aterradora.

No fundo, o livro é sobre a dualidade entre a saúde e a doença, a vida e a morte.

Na segunda parte do livro, Suleika tira a carta de condução e decide percorrer os Estados Unidos durante alguns meses e visitar algumas das pessoas que lhe enviaram cartas em resposta à sua coluna. De longe, a visita mais impactante é a a Lil' GQ, um homem condenado à morte no Texas.

Quando se é obrigado a confrontar a nossa própria mortalidade, seja por causa do diagnóstico de uma doença ou de uma sentença de morte pronunciada pelo estado, há uma urgência em reivindicar a vida, em moldar o nosso legado nos nossos próprios termos, nas nossas próprias palavras. (...) Ali sentada, a ouvir Lil' GQ lembro-me de uma frase de Joan Didion: "Contamos histórias a nós próprios para poder viver." Só que, no caso do Lil' GQ, ele conta histórias a ele próprio para facilitar a passagem para a morte.

Suleika usou a tour do livro para amplificar a história de Quintin Jones, condenado à morte depois de matar uma tia em 1999, então com 20 anos. Apesar de uma campanha que se tornou viral nas redes sociais, de uma petição com 200 mil assinaturas e dos pedidos da família para um recuo da pena de morte para a prisão perpétua, o Texas não se comoveu.

É engraçado porque em vários momentos deste livro me lembrei de «Uma educação» de Tara Westover, pela capacidade de refletir sobre a própria vida e de escrever sobre isso de uma forma que "prende" o leitor. E não é que, nos agradecimentos, Suleika agradece a Tara pelos conselhos para a escrita do livro. Enfim, um dos melhores (se não o melhor) livros que li este ano.

Escrever de Stephen King

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Eu já suspeitava que ia gostar muito deste livro, mas não esperava gostar tanto. Há muito tempo que não ficava a ler um livro pela noite dentro e aconteceu com este. «Escrever» do Stephen King promete ser, como o título indica, um livro sobre a escrita. Na realidade, assemelha-se mais a uma autobiografia.

Na primeira parte, King conta histórias da sua infância. De como começou a escrever pequenas histórias e a vendê-las na escola e, mais tarde, a enviá-las a revista. Em troca, recebia cartas de rejeição que pendurava na parede. Conta histórias da mãe que trabalhava muito a ganhar muito pouco e de como conheceu a mulher, Tabitha, com quem é casado até hoje. E que também já publicou alguns livros, não editados em Portugal.

Foi já quando tinham dois filhos que King escreveu Carrie e a enviou a um editor que aceitou publicar o livro. Mais tarde, a venda da versão em paperback tirou-os de uma situação financeira precária e a carreira do autor começou a partir daí.

Na segunda parte, King dá conselhos mais práticos sobre escrita, muitos aprendidos nos anos em que foi professor de escrita criativa. Achei esta parte menos interessante porque, apesar de alguns conselhos serem transversais, outros aplicam-se à língua inglesa.

No final, a escrita é para enriquecer a vida daqueles que lêem a sua obra e também para enriquecer a sua vida. A escrita serve para despertar, melhorar e superar. Para ficar feliz, está bem? Ficar feliz. Uma parte deste livro - talvez grande demais - trata de como aprendi a escrever. Outra parte considerável trata de como escrever melhor. O resto - talvez a melhor parte - é uma carta de autorização: você pode,  deve e, se arranjar coragem para começar, fará.

Na última parte do livro, King fala sobre o acidente que teve no Verão de 1999 e que interrompeu a escrita deste livro. Voltar a ele, algumas semanas mais tarde e ainda em recuperação de um acidente muito aparatoso, foi como voltar à vida.

Dentro desta linha de livros sobre a escrita, este é o melhor que já li. Quero também ler o livro sobre a escrita de Joyce Carol Oates e o do James Wood.