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Livros, viagens e tudo o que nos acrescenta

Nadar para casa de Deborah Levy

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Ainda não sei o que achei deste livro. Sou fã da escrita autobiográfica de Deborah Levy e a sua trilogia é das melhores coisas que já li na vida. Faz-me lembrar Elena Ferrante pela forma como escreve sobre mulheres. A sério, leiam esses livros.

Por ter gostado tanto quis experimentar um livro de ficção da autora. «Nadar para casa» conta a história de uma família que aluga uma casa de férias em França. Inesperadamente, decidem oferecer um quarto a uma rapariga (Kitty) que vai mudar o rumo do seu Verão (e das suas vidas).

Gostei muito da forma como o livro está construído. É Verão, os personagens passam muito tempo na piscina mas há uma tensão palpável em cada cena. A história encaminha-se para um momento bastante previsível e, quando achamos que tudo terminou, somos surpreendidos pelo desfecho (pelo menos eu fui). Ainda assim, tive alguma dificuldade em gostar de qualquer uma das personagens do livro e, talvez por isso, não gostei tanto como esperava. Ou então depositei demasiadas expectativas neste livro por ter adorado a trilogia autobiográfica da autora (já disse que deviam ler estes livros?).

Feira do livro de Lisboa

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Mais um Verão, mais uma feira do livro que, desta vez, vai até dia 12 de Setembro. Pareceu-me tudo muito semelhante ao ano passado em termos de descontos. Gostei muito de ver algumas editoras a vender livros com pequenos defeitos a preços mais em conta. Foi assim que acabei por comprar um livro com os contos de Beatrix Potter a 7.5 euros na PIM. Se não fosse o calor, tinha sido perfeito.

 

Destaque para:

  • Os livros do dia (como sempre) que podem ver no site.
  • Os caixotes da Relógio d'Água - livros a 3, 5, 7.5 e 10 euros. Trouxe «A ilha de Arturo» de Elsa Morante, «Amok» de Stefan Zweig e «Uma volta ao mundo com leitores» de Sandra Barão Nobre.
  • Os descontos da Presença - com livros a 5, 7 e 9 euros.
  • Os livros em promoção da editora 20|20 com livros a 7 euros. Trouxe «Esta é a tua vida, Harriet Chance».
  • Os clássicos da Penguin que estão à venda numa carrinha e que, além de baratos, têm capas lindas. Trouxe «Um quarto só seu» de Virginia Woolf.

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O livro para as donas de casa do futuro

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Uma pausa na programação habitual (porque a semana passada fiz um post um bocadinho negativo sobre um livro) para escrever sobre esta pérola de 1984 (10 anos depois do 25 de Abril). Chama-se «Mãos que prestam» e era usado em economia doméstica nos cursos de formação feminina, curso geral do comércio e auxiliar de laboratório químico.

Segundo o prefácio, este livro responde "à necessidade de se obviar à unilateralidade de uma educação ambígena e em que a feminilidade, de que o Mundo e a Sociedade continuavam a precisar, não tinha lugar." É um livro dedicado à geração da Mulher do Futuro.

Como tal, o índice inclui uma introdução sobre o que é uma boa dona de casa, sobre como se deve vestir e sobre práticas de culinária.

Na introdução sobre ser uma boa dona de casa diz assim:

A Mulher de hoje trabalha (...) Assim, muitas vezes, ela voltará para casa ao mesmo tempo que o marido (...) Mas então ela iniciará a segunda e não menos importante parte do seu dia, porque a esperam os deveres de toda a Mulher que regressa ao lar. (...) A atividade profissional não serve (que não sirva!) de desculpa para a desorganização doméstica, nem para o abandono das atribuições próprias da Mulher.

Uma mulher fatigada, nervosa e esgotada nunca poderá ser a confidente que os problemas diários do marido esperam, nem a alegre camarada, paciente, risonha e disposta a satisfazer os legítimos caprichos dos filhos pequenos.

Acho que já perceberam a ideia. Como não podia deixar de ser, temos uma referência à bíblia para dizer que a mulher deve andar tapada:

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A parte mais engraçada do livro é, no entanto, os exemplos comparativos entre duas mulheres hipotéticas. Como este:

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Mais à frente temos a Manuela (noto uma certa obsessão com este nome) e a Lúcia sobre como se comportar em férias (sim, que isto de ser uma dona de casa do futuro não dá direito a folgas):

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Em cima tínhamos de ser a Fernanda, agora temos de ser a Virgínia... Decidam-se. Bom, era isto.  Imagino que estejam com imensa vontade de viajar numa máquina do tempo para 1984.

O projeto Rosie de Graeme Simsion

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Tenho sempre dúvidas se devo ou não escrever uma opinião quando não gostei de um livro. A experiência de ler um livro é sempre subjetiva. Além disso, não é comum escrever críticas negativas porque se não estou a gostar de um livro, abandono a leitura e não tenho muito a dizer. Ou, pelo menos, nada que mereça a pena escrever um texto. Neste caso, fui buscar o livro à biblioteca e li-o até ao fim. Nem eu sei bem porquê.

«O projeto Rosie» conta a história de um personagem autista, o Don Tillman, que decide criar um questionário para encontrar uma parceira para casar. Pelo meio, acaba por conhecer a Rosie. 

Começando pelas coisas de que gostei. É um livro leve, que se lê rapidamente. Gostei da personagem da Rosie e da história familiar dela. E é só.

O Don é um personagem autista mas o autor não se quis comprometer a escrever isso no livro. O que significa que foi dando pistas ao longo da história. Don faz palestras sobre autismo, teve uma série de diagnósticos psiquiátricos errados, tem uma série de traços autistas. Enfim, depois da primeira referência em que ele faz palestras sobre o assunto, acho que o leitor já percebeu a ideia.

Depois temos o Don que é basicamente uma versão em livro do Sheldon Cooper. Alguém no Goodreads escreveu que este livro era o "Sheldon in love" e sim, resumidamente, o Don é um conjunto de estereótipos (o génio autista que não consegue encontrar o amor). É uma história que vende, ou não tivesse este livro sido um bestseller, mas achei redutora e repetitiva. O Don está a milhas de ser uma personagem complexa, em camadas como são, por exemplo, os dois personagens autistas da série «Everything's gonna be okay» que são interpretados por atores autistas. Nessa série, os personagens são genuínos, reais, têm qualidades e defeitos e uma personalidade. É uma pequena maravilha esta comédia australiana. Também há a personagem do «Gambito de gamas» em que, embora sem confirmação, há uma página no reddit dedicada a reunir os traços autistas da personagem.

Também me incomodou o livro girar em torno da "piada" que é o personagem ter criado um questionário para encontrar uma namorada. Algumas das questões são se é ou não fumadora, se consome álcool, etc. Mas não é isso que fazem os sites de encontros online ou, pelo menos, uma parte deles? Acho que posso dar um desconto porque o livro foi publicado em 2013 mas, pelos vistos, o Don estava à frente do seu tempo.

Enfim, a história é previsível, o Sheldon (desculpem, o Don) é previsível e o desfecho adivinha-se lendo a sinopse. No final, o Don decide mudar para agradar à Rosie, o que é sempre boa ideia... 

Também achei estranho o livro, publicado cá em 2016, referir que estava a ser adaptado ao cinema. Não encontrei nenhum trailer mas, pelos vistos, vai ser filmado em 2022. Acho que tende a correr mal adaptar um filme quase 10 anos depois do livro. Fizeram o mesmo com o «Onde estás, Bernadette». Gostei do livro mas quando vi o filme achei-o muito datado.

Este Rosie é o primeiro livro de uma trilogia mas não creio que vá ler os outros dois. Sei que há muita gente que gosta deste livro, mas eu não consegui ficar convencida.

Lupin: o livro e a série da netflix

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Li o livro de Arsène Lupin já depois de ter visto as duas partes da série da Netflix. Não creio que faça diferença porque o livro e a série são produtos completamente distintos. Na série temos um personagem na atualidade que tenta obter vingança para uma injustiça cometida contra o pai por uma família rica.

Este personagem, o Assane Diop tem a sua inspiração no personagem Lupin, criado por Maurice Leblanc em 1905. Este livro foi escrito para rivalizar o Sherlock Holmes numa espécie da Inglaterra vs França que tem a sua graça. No último capítulo, intitulado Herlock Sholmes, Maurice tentou introduzir a rivalidade entre os dois personagens. Como foi processado por inicialmente ter usado a verdadeiro nome do detetive inglês, este acabou por ser alterado.

O livro tem nove capítulos e cada um funciona como uma aventura (quase) independente, o que é fruto de Maurice ter publicado os capítulos num jornal e depois juntado todos para formar este livro.

Em cada uma das aventuras, Lupin é o ladrão. O personagem teve tanto sucesso que se seguiram dezenas de livros e com o tempo, Lupin passou de ladrão a um detetive, tornando-se mais semelhante a Sherlock Holmes.

É um livro interessante, que entretém. Tendo em conta que o mundo editorial português teve um momento de loucura com a série da Netflix há muitas edições por onde escolher. Eu adoro a minha da Porto Editora, que foi oferecida, e que tem uma capa linda. Só tenho pena que não tenham incluído um prefácio do autor que existe nalgumas edições brasileiras. Não sei se está presente nalguma edição portuguesa.

Não nos devíamos importar com a Simone Biles

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Fonte

Simone Biles é ginasta e, depois de ter ganho muitas medalhas nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, desistiu de competir nas Olimpíadas deste ano a favor da sua saúde mental.

A decisão dividiu opiniões com pessoas a concordar com a sua decisão e pessoas a tecer críticas por ter desistido.

Eu acho que não devíamos querer saber.

Se Simone Biles tivesse feito uma entorse e abandonasse os Jogos Olímpicos por causa disso, quase não seria tema de conversa. Como desistiu para preservar a saúde mental tornou-se tema de debate. Isto só prova que:

1. A maioria das pessoas ainda vê a saúde mental como secundária à saúde física.

2. A maioria das pessoas ainda vê um problema de saúde mental como sendo culpa da pessoa que o tem. Daí frases infelizes como Se não fosse fraquinha, não tinha desistido. Só está deprimido porque não tira o rabo do sofá. Se fosse mas é trabalhar...

No fundo, só estamos focados na decisão da Simone Biles porque ainda nos parece estranhíssimo alguém priorizar uma coisa que, para muitos, não passa de um capricho. Uma escolha. Como se alguém acordasse um dia e pensasse: Olha, o que eu estou mesmo a precisar neste momento é de uma depressão. Ou de ter um ataque de pânico. E como se sair destes estados dependesse da força de vontade do próprio. Como se alguém conseguisse acordar um dia e pensar: É hoje que vou sair desta depressão. Ou que vou deixar de ter ansiedade.

Acho que ninguém tem dúvidas de que a saúde mental dos atletas, pela pressão imensa a que estão sujeitos, deve ser (ou devia ser) monitorizada com atenção. Acho que também ninguém duvida que esta decisão não está ao alcance de todos por circunstâncias financeiras e até sociais.

Simone Biles tem 24 anos e isso é a melhor parte desta história. Esperemos que esta geração olhe para a saúde mental como sendo tão importante como a física. Porque é.

Apneia de Tânia Ganho

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«Apneia» tem provavelmente a estrutura que mais gosto num romance. Capítulos muito curtos que fazem com que as 600 ou 700 páginas passem rapidamente. «Pátria» de Fernando Aramburu, um livro incrível tem a mesma estrutura.

É difícil escrever sobre este livro, porque não é uma leitura fácil. «Apneia» é a história de uma mãe (Adriana) que, depois de um processo conturbado de divórcio, se vê envolvida numa luta pela custódia do filho, Edoardo. A história levou um rumo que não esperava, apesar de se tornar previsível a dada altura, e achei importante que a autora tivesse abordado esse tema numa família de classe média-alta. Muitas vezes associamos abusos (sejam físicos, sexuais ou até emocionais) à pobreza e não é sempre assim.

Como já tinha lido, há coisas que se repetem no livro, tal como provavelmente se repetirão até à exaustão na vida real. As constantes idas a tribunal, os entraves da burocracia, a figura do juiz e de advogados que se mantêm cruelmente impávidos perante a urgência de resolver esta situação.

O único cenário em que Adriana respira é nas Berlengas. Gostei das descrições da ilha e das aves marinhas, assim como da figura do Duarte.

Não é certamente um livro que recomendasse a toda a gente. Imagino que quem tenha passado por um processo destes (seja no papel de uma mãe/pai ou da criança) não queira reviver essa história. Não é um livro leve nem bonito mas, se tiverem estômago e tiverem com vontade de um livro mais pesado, vale muito a pena a leitura.