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Ler, escrever e viver

Ler, escrever e viver

Teste de DNA da MyHeritage: vale a pena?

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Há algumas semanas atrás encomendei um kit de DNA genealógico. Suponho que pela mesma razão que leva a maioria das pessoas a fazer estes testes: curiosidade em saber o que está para trás, em ter uma peça do puzzle do nosso passado. Encomendei pela MyHeritage por uma razão simples: era o mais barato (tendo em conta a promoção de Verão que está a decorrer). Duas semanas depois recebi o kit: uma zaragatoa que passamos na parte interior das bochechas, guardei no tubo que vinha com o kit e enviei para o laboratório. Demorou semana e meia a chegar ao Texas e cerca de uma semana depois recebi os resultados por e-mail.

 

Teste genealógico:

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Sem dúvida que o boom dos testes de DNA surgiu depois daquele vídeo viral da Momondo em que muita gente era surpreendida pelos seus resultados. No meu caso, não tinha noção nenhuma do que os resultados poderiam dar e fiquei surpreendida com a percentagem de África e do Norte da Europa (Irlanda, Escócia).

Na imagem abaixo conseguem ver as origens dos portugueses que fizerem este teste no MyHeritage. Quase 90% tem origem ibérica (sem surpresa), seguida de norte-africana, italiana e europeia do norte e europeia ocidental. Podem ver as principais origens aqui.

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Relatórios de saúde: sim ou não?

Existe a possibilidade de receberem um relatório de saúde, ou seja, o vosso DNA é analisado para uma série de variantes de genes que, se presentes, vos fazem ter maior risco de virem a desenvolver uma determinada doença. Isto inclui vários tipos de cancro, doença celíaca, alzheimer de início tardio ou parkinson de início tardio são só alguns exemplos. Acho que fazer ou não fazer este teste é algo extremamente pessoal. Em conversas com outras pessoas rapidamente percebi que há quem diga logo que prefere nem saber e quem tenha curiosidade em ver estes resultados. Não é, definitivamente, recomendado para hipocondríacos. Mas enfim, eu decidi fazer por curiosidade e porque me interessavam muito os resultados de algumas doenças específicas.

No MyHeritage, o relatório de saúde está dividido em duas partes: a primeira é a de risco genético.

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Basicamente, ele diz-vos se vocês têm um risco reduzido, médio ou aumentado (e quão aumentado) de vir a desenvolver várias doenças. Ter um risco aumentado não quer dizer que venham a desenvolver a doença assim como ter risco reduzido não quer dizer que não venham. Há outros fatores ambientais envolvidos. No entanto, eu acho que isto pode ser útil. Pode-vos fazer ficar atentos a sintomas de doenças que tenham mais predisposição para vir a desenvolver e que sejam tratáveis, como a doença celíaca, por exemplo.

Acho que a utilidade pode transformar-se em mera preocupação em doenças como Alzheimer ou Parkinson. Aliás, mesmo recebendo o relatório de saúde, o MyHeritage mostra primeiro os outros resultados e só depois pergunta se queremos ver os destas duas doenças. No entanto, acho difícil que alguém que saiba que tem aqueles resultados ali consiga resistir à curiosidade de os ver.

Para as doenças em que tiverem um risco genético acrescido há um relatório detalhado a explicar as variantes de risco, as implicações disso e os artigos científicos que devem consultar para obterem informação fidedigna sobre o assunto.

A segunda parte do relatório de saúde é o estatuto de portador em que o nosso DNA é testado para uma série de condições. Se formos portadores, há o risco de transmitirmos a condição para os nossos filhos. Isto inclui doenças como a anemia de fanconi, a fibrose cística, a perda de audição, entre outras. 

 

Diferenças entre empresas de DNA:

Há várias empresas a oferecer estes testes em que, além do preço, há algumas diferenças. O MyHeritage e o Ancestry têm a vantagem de permitirem construir uma árvore genealógica a partir dos nossos resultados. Ou seja, assim que estes dados são introduzidos começam a aparecer outros utilizadores que são vossos familiares mais ou menos afastados. Também é possível aceder a milhares de registos históricos como certidões de nascimento, registos de imigração, entre outros. Tenham atenção que alguns destes serviços são gratuitos e outros são pagos com uma subscrição anual.

Em termos de resultados em si, o 23andme dá os resultados mais detalhados com linhagens materna e paterna indo até há milhares de anos atrás. Também dá informações sobre traços físicos herdados geneticamente como a altura, os pêlos no corpo, tendência para suar enquanto dormimos, entre muitas outras coisas.

Outra diferença é o número de localizações geográficas. O 23andme divide o mundo em mais de 1500, o AncestryDNA em 500 e o MyHeritage em 42. Isto vai depender, claro, de quererem resultados mais ou menos específicos.

Em relação ao relatório de saúde, o da 23andme é mais completo porque a empresa tem este serviço há mais tempo e, por isso, está mais bem desenvolvido do que o do MyHeritage, por exemplo.

 

Resumindo:

Recomendo bastante o teste de DNA genealógico. O de saúde recomendo a quem tenha interesse e não leve os resultados demasiado a sério. Acho que os testes da MyHeritage têm uma boa relação preço-qualidade mas, se estiverem dispostos a gastar mais dinheiro, eu faria os da 23andme.

 

NOTA sobre o envio:

Segundo os CTT, é necessário preencher um formulário online com os dados alfandegários para envios internacionais. Está tudo explicado no site dos CTT. Os procedimentos de envio da parte da MyHeritage também mudaram uma vez que as amostras de países da UE são enviadas para a Alemanha, conforme podem ver aqui.

O enigma do quarto 622 de Joel Dicker

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Não costumo ler muitos thrillers mas quando percebi, pela sinopse, que neste «O enigma do quarto 622» a ficção se misturava com a realidade e o próprio escritor se tornava uma personagem, decidi lê-lo. Neste livro, Joel Dicker instala-se como hóspede num hotel dos Alpes suíços onde 15 anos antes um homem tinha sido assassinado no quarto 622. A partir daqui, a história vai-se desenrolando entre o passado e o presente. O autor vai desvendando várias histórias dentro da história principal, que é o assassinato do membro de um dos mais importantes bancos privados da Suíça.

No início do livro, o autor apressa-se a mostrar-nos como se hospedou no hotel, percebeu que não existia um quarto 622, conheceu uma mulher que ficou tão intrigada como ele... enfim, toda uma sequência de eventos que ocupa poucas páginas, que achei inverosímil e cujos diálogos são francamente pobres. Mas, depois de ter decidido "comprar" a história que o Joel estava a contar, adorei este livro. É um romance um tanto novelesco, mas que nos agarra e as páginas vão passando sem nos apercebermos.

Está longe de ser um livro perfeito e houve outras coisas de que não gostei. A minha vontade de ler este livro veio do autor ser um personagem da história mas, apesar de gostar muito da ideia, achei a execução má. Lemos 30 ou 40 páginas da história do assassinato e dos seus personagens e depois há uma quebra na leitura para lermos umas duas páginas sobre a vida amorosa do autor no momento presente que, para dizer a verdade, não acrescentam absolutamente nada à narrativa.

Enfim, depois de ler «Persépolis» e «Maus» de seguida, que são dois livros excelentes, estava com dificuldade em ler o que quer que fosse e precisava de um livro envolvente, que não conseguisse largar e este foi o livro certo para isso.

Grande Sertão: Veredas de João Guimarães Rosa

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Quando vi no canal do youtube ler antes de morrer a leitura colectiva de «Grande Sertão: Veredas» de João Guimarães Rosa, não sabia nada sobre o livro ou o autor. Ao pesquisar percebi que este livro publicado nos anos 50 é uma história de amor entre duas personagens masculinas - Riobaldo e Diadorim - e decidi ler.

«Grande Sertão: Veredas» está escrito como uma conversa em que Riobaldo - personagem principal - que já está na velhice conta a história da sua vida. Riobaldo foi jagunço (os jagunços eram pessoas que trabalhavam na protecção a líderes políticos no sertão brasileiro) e teve um encontro marcante com Diadorim em criança. Anos mais tarde, os dois acabaram a ser jagunços no mesmo grupo e Riobaldo viveu (sempre) apaixonado por Diadorim.

Os olhos que ele punha em mim, tão externos, quase tristes de grandeza. Deu alma em cara. Adivinhei o que nós dois queríamos - logo eu disse: - "Diadorim... Diadorim!" - com uma força de afeição. Ele sério sorriu. E eu gostava, gostava, gostava. Aí tive o fervor de que ele carecesse da minha proteção, toda a vida: eu terçando, garantindo, punindo por ele.

Ao longo de todo o livro, Riobaldo vive atormentado pelo amor que sente por Diadorim, questionando-se sobre a dualidade entre Deus e o Diabo, o bem e o mal.

Vinha tanto tempo me relutando, contra o querer gostar de Diadorim mais do que, a claro, de um amigo se pertence gostar; e, agora aquela hora, eu não apurava vergonha de se me entender um ciúme amargoso.

É muito difícil escrever sobre «Grande Sertão: Veredas». O livro tem uma linguagem difícil porque João Guimarães Rosa criou muitos palavras, quase uma língua nova. É difícil atravessar as primeiras páginas, em que os acontecimentos se atropelam mas, a determinada altura, Riobaldo começa a contar a sua vida em ordem cronológica e tudo fica (ligeiramente) mais fácil. A linguagem é poética. E, sendo difícil, é um livro que entrega tudo aquilo que promete e muito mais.

O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam.

Além disso, este livro tem um dos finais mais extraordinários da literatura. Não é por acaso que consta em muitas listas como um dos melhores livros da literatura mundial. Clarice Lispector escreveu numa carta que: "É a coisa mais linda dos últimos tempos (...) O livro está me dando reconciliação com tudo, me explicando coisas adivinhadas, enriquecendo tudo (...) Acho a mesma coisa que você: genial. Que outro nome dar? Esse mesmo."

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Mais:

Tenham atenção que, ao pesquisar sobre este livro, é muito fácil ler spoilers sobre o final, por isso, se quiserem ler não pesquisem. Nenhum dos links acima tem spoilers.

Maus de Art Spiegelman: o melhor livro sobre o Holocausto

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Depois de ter lido e adorado a novela gráfica «Persépolis» decidi ler «Maus» de Art Spiegelman. São dois volumes: «A história de um sobrevivente» e «Aqui começam os meus problemas» sendo que a edição mais recente da Bertrand reúne os dois volumes na mesma edição.

Maus significa rato em alemão e, neste livro, o autor (Art Spiegelman) conta a história do seu pai Vladek, um judeu polaco que sobreviveu a Auschwitz. Desengane-se quem pensa que esta é mais uma história sobre o Holocausto (aliás, eu saturei de ler livros sobre o tema com tantos a serem lançados todos os anos, variando a profissão do título e o nome do campo de concentração...). Mas esta história merece uma oportunidade.

O autor começa a fazer visitas ao pai para ele lhe contar a sua história, como ele e a mãe se esconderam dos nazis durante muito tempo, acabando por ser apanhados e enviados para Auschwitz e como depois conseguiram ser libertados. Nas tiras, oa judeus são desenhados como ratos e os nazis como gatos. Pelo meio da história dos pais, Art mostra a relação conturbada que tem com o pai (que se preocupa em representar de forma honesta e não como um herói), as tentativas de encaixar a história dura dos pais na sua própria vida e até a dificuldade de escrever o segundo volume de Maus depois do primeiro ter sido um sucesso estrondoso. É a história de dois judeus em Auschwitz mas também a história de como é que as gerações seguintes vivem além desse legado.

Para mim, um dos momentos mais interessantes do livro é quando Art e a namorada dão boleia a uma pessoa de cor e Art percebe que o seu pai (um judeu que foi discriminado das piores formas possíveis pelos nazis e sobreviveu) é racista.

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A sério. Leiam este livro.