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Livros, viagens e tudo o que nos acrescenta

Em busca das mulheres que enfrentaram Boko Haram

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Dionne Searcey é uma jornalista do «The New York Times» com mais de 40 anos e três filhos que, cansada da sua vida monótona em Nova Iorque, decide candidatar-se a dirigir o trabalho do jornal nos países da África Ocidental. Assim, muda-se com a família para Dakar, no Senegal e divide-se entre uma nova dinâmica familiar e as constantes viagens de trabalho para o jornal.

Li o «In pursuit of disobedient women» de Dionne Searcey por ser um livro de não ficção que envolve viagens e jornalismo, temas que me interessam. Não tinha expectativas e saí muito surpreendida. Dionne escreve muito bem (fruto dos muitos anos de jornalismo) sobre as suas reportagens para o jornal focadas principalmente no grupo terrorista Boko Haram na Nigéria. Escreve sobre a forma como o grupo rapta raparigas para as treinar em combate e fazer delas bombistas suicidas. Escreve sobre as raparigas raptadas que levaram à hashtag #bringbackourgirls (e que acabaram a estudar na universidade depois de resgatadas). Escreve sobre as mulheres que fogem do grupo e acabam presas pela polícia. Escreve histórias importantes sobre uma parte do mundo que, como a própria diz, a maioria dos americanos não saberia apontar num mapa. E tenta, a muito custo, chegar à primeira página do jornal numa altura em que Trump domina todas as notícias.

Searcey vai intercalando estes temas mais sérios com histórias leves e divertidas sobre a sua vida familiar à medida que se tenta ajustar a uma cultura diferente. Escreve sobre as tradições senegaleses em que os filhos tentam participar, os (muitos) parasitas que apanham, as pessoas que vão conhecendo durante os 3 anos passados em Dakar. E fá-lo de forma honesta, sem romancear as dificuldades de viver naquela parte do mundo. Não podia recomendar mais este livro.

The giver of stars de Jojo Moyes: a biblioteca a cavalo do Kentucky

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Sobre a história

Desde que soube a história deste livro que decidi que o queria ler. «The giver of stars» foca-se num episódio pequeno mas interessante da história dos Estados Unidos. Passa-se nos anos 30, um período muito pobre da história deste país em que grande parte da população vivia em zonas rurais. Era assim no estado do Kentucky em que os homens trabalham nas minas de carvão e as mulheres ficavam em casa.

Foi neste contexto que Eleanor Roosevelt criou o projeto das bibliotecas a cavalo que atacava em várias frentes. Primeiro, o projeto distribuia livros a populações pobres, de zonas rurais e de difícil acesso que, de outra forma, não teriam acesso a livros. Depois, era uma forma das mulheres trabalharem e receberem um salário.

"It's the women doing the riding. Delivering the books." "Women?" "By themselves?" came a man's voice. "Last time I looked, God gave' em two arms and two legs, just like the men."

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Foi então a partir deste pequeno capítulo da história que Jojo Moyes construiu este livro. Alice, uma das personagens principais, é uma inglesa que sonhava ir para os Estados Unidos viver o sonho americano. Quando chega, depara-se com uma comunidade pobre, rural e muito conservadora. Depois temos Margery, a mulher da vila que ninguém entende porque vive sozinha e não pretende casar-se. Estas duas mulheres juntam-se a mais três para formar uma destas bibliotecas a cavalo no Kentucky.

 

Sobre a leitura

«The giver of stars» é um livro para todos os que gostam de livros e partilham a visão destas mulheres, a de que os livros podem enriquecer a nossa vida e todos deveríamos ter acesso a eles. Não é por acaso que o título, «The giver of stars» se refere a um poema de Amy Lowell que muitos vêem como uma declaração de amor aos livros.

Nunca tinha lido nenhum livro de Jojo Moyes e fiquei agradavelmente surpreendida. Gostei muito da escrita e das personagens que são cinco mulheres fortes que estão a tentar, simplesmente, fazer chegar os livros a todos e são, a cada passo em frente, barracas pelo conservadorismo, ignorância e racismo da comunidade.

Há mais do que isso nesta história, claro. Há duas histórias de amor pelo meio e um crime. A autora vai contando estas histórias sem se esquecer da perspetiva histórica como pano de fundo e faz isso tremendamente bem.

O buzzfeed publicou um artigo extenso sobre o alegado plágio em que a autora ou editores deste livro teriam usado a história de um outro livro publicado sobre o mesmo tema no mesmo período. Não li o outro livro, por isso, não faz sentido pronunciar-me sobre algo que não conheço mas aparece muito referido nos comentários do goodreads aos dois livros. De qualquer forma, fico feliz por este pequeno projeto da Eleanor Roosevelt ter chegado à literatura. Foi uma ideia maravilhosa.

«The giver of stars» não está traduzido em português mas, tendo em conta que muitos outros livros da autora estão publicados em Portugal, acho provável que venha a estar, até porque os direitos foram comprados para transformar a história num filme.

Actualizado: Foi publicado em Portugal com o título «As mensageiras da esperança».

Becoming de Michelle Obama: o livro e o documentário da netflix

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O livro

«Becoming» é a autobiografia de Michelle Obama. Está dividido em três partes. A primeira em que Michelle partilha a sua infância e adolescência; a segunda em que partilha a sua história com Barack Obama e uma terceira em que partilha a sua vida na casa branca.

Tinha muito poucas expectativas para este livro e, provavelmente por isso, acabei por sair agradavelmente surpreendida. Achei que não ia gostar muito das primeiras duas partes e que ia adorar a última e acabou por acontecer o oposto. Adorei conhecer a infância e adolescência da Michelle, passadas em Chicago. E gostei ainda mais de conhecer a sua história com Barack. Nestas duas partes, Michelle consegue começar a contar uma história no início de cada capítulo, divagar um bocadinho e, no final, encerrar a história que começou a desvendar nos primeiros parágrafos. E faz isso muito bem.

Na última parte sobre os anos de primeira-dama, Michelle tentou resumir oito anos de vida na casa branca em poucos capítulos e, no meio de tantos acontecimentos, o resultado acaba por ser uma mistura de curiosidades e informações dispersas entre o trabalho dela e o do marido. Preferia que ela tivesse pegado em meia dúzia de temas e tivesse trabalhado neles mais a fundo em vez de dar pouca informação sobre muita coisa.

 

O documentário da netflix

A netflix lançou um documentário sobre a tour de «Becoming» que passou pelas arenas de várias cidades nos Estados Unidos. Há excertos de entrevistas e ficamos a conhecer várias pessoas que fazem parte da equipa da Michelle, assim como a família dela. Quem gostou do livro vai certamente gostar do documentário. Para quem não leu o livro, o documentário acaba por ser uma boa introdução ao mesmo e uma forma de perceberem se têm interesse em dar uma oportunidade à sua leitura.

Duas adaptações para ver: Normal people e Little fires everywhere

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Duas adaptações da Hulu: Normal people, a adaptação do romance de Sally Rooney e Little fires everywhere, a adaptação do romance de Celeste Ng.

 

Normal people (Hulu)

A adaptação do romance premiado de Sally Rooney (Pessoas normais na tradução em português). «Normal people» conta a história de Connell e Marianne, que vivem numa pequena cidade da Irlanda, desde que se conhecem durante o liceu e até aos quatro anos seguintes.

As comparações entre livros e as suas adaptações para série nem sempre são justas. São produtos diferentes e acabamos quase sempre desiludidos quando tentamos ver um em função do outro. «Normal people» faz parte da exceção. A série é leve e complexa, como o livro. Os personagens estão construídos em camadas, como no livro. Há uma grande atenção aos detalhes nos diálogos, como no livro. Enfim, gostei muito mesmo desta série. Gostei tanto que fiquei com vontade de ir reler o livro.

Trailer aqui

 

Little fires everywhere (Hulu)

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A adaptação à televisão do livro «Little fires everywhere» (ou «Pequenos fogos em todo o lado» na tradução em português) de Celeste Ng tem oito episódios de quarenta minutos. Esta história segue Mia (uma artista) que se muda com a filha adolescente para uma cidade que prima pela perfeição. A produção fez uma escolha interessante ao atribuir o papel de Mia a uma atriz negra, o que acabou por introduzir o tema do racismo de uma forma muito mais direta do que acontecia no livro.

Confesso que tenho alguma dificuldade em dizer se gostei ou não da série. Tem um ritmo lento e, tal como no livro, as histórias vão-se sucedendo à medida que pequenos fogos vão sendo ateados. O problema da série é que, para mim, não consegue captar as entrelinhas da escrita de Celeste Ng. É que o livro é feito de subtilezas que não resultaram no ecrã. Apesar disso, gostei bastante dos dois últimos episódios que achei muito melhores do que os anteriores. Enfim, recomendo a quem tiver lido o livro e tiver curiosidade em ver como ficou a série.

Trailer aqui

Os livros que fazem dos portugueses leitores

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Na sequência deste post sobre como é que começamos a gostar de ler e como é que evoluímos enquanto leitores achei curioso que nos comentários se repetissem muitos livros: as colecções Uma aventura e Os cinco, os livros da Anita, Os filhos da droga, Harry Potter e depois numa fase mais de adolescência colecções como Hunger Games e Twilight e autores que vão desde Jorge Amado, a Isabel Allende, Paulo Coelho, Eça de Queirós, entre muitos outros.

Por isso, fui pesquisar e encontrei este estudo do plano nacional de leitura. É de 2007 e é um questionário sobre os hábitos de leitura dos portugueses. Saber se lêem regularmente, quantos livros compram por ano, se frequentem a biblioteca, essas coisas. Pelo meio, há uma pergunta sobre o livro fundador, ou seja, pergunta-se àqueles que gostavam de ler na infância se há algum livro que associam mais ao início do gosto pela leitura.

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Alguns dos mais referidos estão na imagem. Sem surpresa, os livros mais referidos são infanto-juvenis sendo que as pessoas até aos 54 anos referem vários livros comuns (Uma aventura, Os cinco, Anita), enquanto as pessoas a partir dos 55 referem livros completamente diferentes como o «Amor de perdição» do Camilo Castelo Branco. A maior parte das pessoas leu  o seu livro fundador com 10 ou mais anos.

Outra coisa interessante é que 89% das pessoas que gostavam de ler em criança (e que são 65% do total) continuam a gostar (sem surpresas) mas, dos que não gostavam de ler em criança, 38% passaram a gostar mais tarde. As principais razões para essa mudança foram quererem manter-se informados, ter vontade de aprender, por prazer/curiosidade ou simplesmente para passar o tempo.

Enfim, seria interessante ter respostas a outras questões, como por que livro é que as pessoas que não gostavam de ler em criança e, mais tarde, passaram a gostar começaram a gostar de ler. E com que idade é que começaram a gostar de ler. Mas, de qualquer forma, é um estudo interessante e que está acessível a todos.

A evolução de uma leitora

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Depois de ter lido este texto da Carolina fiquei a pensar nestas questões: Como é que alguém se torna leitor? E, a partir daí, como é que se evolui na leitura?

Para ser sincera, não me lembro de em criança ter muitos livros ou de gostar muito de ler. Lembro-me de ter lido «Uma aventura no Palácio da Pena» no quarto ano nas aulas e de termos ido ao Palácio da Pena depois disso. E lembro-me de ter lido outros títulos da colecção depois disso e de também ter lido alguns livros do «Clube das chaves». Li «A lua de Joana» (um livro muito forte) e alguns outros de uma colecção para adolescentes, também da Maria Teresa Maia Gonzalez.

No final do ensino básico e depois durante o secundário, comecei a ler livros de viagens (como os do Gonçalo Cadilhe) porque queria ir dar a volta ao mundo (e ainda quero...). Infelizmente, os livros do Harry Potter passaram-me completamente ao lado na altura em que saíram e só os viria a ler mais tarde, com 20 e poucos anos. Mas li todos os livros do Twilight durante o secundário (e depois vi os filmes) e adorei. Talvez por isso, ou precisamente por isso, faz-me sempre confusão que se veja este tipo de livros (infanto-juvenis/young adult, como quiserem chamar) como se fossem insignificantes. As editoras preocupam-se tanto com estes livros que as traduções em português fazem qualquer pessoa revirar os olhos. Quantos leitores não começaram a gostar de ler por causa do Harry Potter ou do Twilight ou do Hunger Games ou dos livros do John Green? Muitos, imensos. Não faz sentido que as editoras não tenham brio nas edições destes livros, mas enfim, adiante.

Também tive uma fase (no secundário) em que devorei todos os livros da Torey Hayden. Para quem não conhece, é uma autora que escreve ficção e não ficção sobre a sua experiência a trabalhar com crianças com histórias traumáticas. Tirando isso, lia pouco e de forma esporádica nas férias de Verão, por exemplo, quando algum livro me interessava muito.

Ainda no secundário, li «Os Maias» porque era leitura obrigatória e, confesso algo envergonhada, que detestei. A sério. Ainda hoje, que gosto muito de ler não me consigo imaginar a voltar a pegar nesse livro. Foi um suplício. Achei que ia ter exactamente a mesma experiência com o «Memorial do convento» do Saramago no 12º ano e estava preparada para mais uma leitura a ferros. Foi difícil começar a ler, mas algumas dezenas de páginas depois já estava habituada à escrita e, que livro bem escrito, que história maravilhosa. Adorei.

Depois li durante alguns anos de forma muito esporádica. Li alguns livros mais adultos como «A casa dos espíritos» da Isabel Allende que adorei e que me faziam perceber que ler podia ser uma experiência mesmo muito boa. Senti o mesmo com o «Livre» de Cheryl Strayed que li pouco depois. Só em 2015, quando criei uma conta no goodreads e passei a interessar-me mais por livros e por leituras é que comecei a ler de forma regular, que é como quem diz quase todos os dias ou, no mínimo, quase todas as semanas.

Agora já me aventuro mais em livros que, há alguns anos, me pareciam demasiado difíceis ou aborrecidos. Gosto de variar e ler ficção e não ficção, clássicos e livros mais recentes, Angie Thomas e Tolstói. (Tudo menos «Os Maias»).

E vocês, quais os livros que vos fizeram começar a gostar de ler?

As novas séries que ando a ver: Unorthodox e Kalifat

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Unorthodox (na imagem acima) e Kalifat são duas séries da netflix que não estão muito longe da realidade (ou de algumas realidades) e que não podem perder.

 

Unorthodox (Netflix)

Uma minissérie de quatro episódios sobre Esther, uma mulher judia que nasce e cresce numa comunidade ultra-ortodoxa no bairro de Brooklyn, em Nova Iorque. Esther acaba por fugir de um casamento arranjado e da vida na comunidade para se refugiar em Berlim. É uma série adaptada do livro autobiográfico de Deborah Feldman.

A série é excelente. Adorei a forma como os rituais desta comunidade vão sendo revelados aos poucos e o crescimento da personagem principal ao longo dos episódios. É que a Esther do primeiro episódio é uma pessoa muito diferente da Esther do último episódio e essa construção está extremamente bem conseguida. É uma série a não perder e fiquei com muita vontade de ler o livro.

Trailer aqui

 

Kalifat (netflix)

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Uma série sueca sobre a radicalização de um grupo de jovens raparigas que decidem largar tudo e juntar-se ao Estado Islâmico na Síria. São várias histórias distintas que acabam por se cruzar. Temos Pervin, uma jovem mãe que vive em Raqqa, na Síria, e quer desesperadamente regressar à Suécia, país onde acompanhamos duas irmãs (Sulle e Lisha) e uma amiga (Kerima) que vão sendo seduzidas aos poucos para o Estado Islâmico.

Nalguns aspetos esta série faz-me lembrar Homeland. A protagonista da polícia sueca (Fatima) também é uma mulher forte que nem sempre confia no trabalho das autoridades e procura agir sozinha.

É um thriller que nos deixa constantemente em suspenso e que não conseguimos parar de ver até ao último episódio, que levanta algumas dúvidas sobre se a série fica por aqui ou segue para uma segunda temporada.

É uma série brilhante que merece ser vista por todos. (E quão estranho é ouvir falar sueco durante umas quantas horas?)

Trailer aqui