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Livros, viagens e tudo o que nos acrescenta

Viagem ao sonho americano de Isabel Lucas

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«Viagem ao sonho americano» de Isabel Lucas é o resultado de uma viagem pelos Estados Unidos feita em 2016 (ano de eleições e ano em que Trump foi eleito presidente). São 12 reportagens feitas em diferentes cidades dos Estados Unidos sendo que, para cada capítulo, a autora escolheu um ou dois livros importantes para a literatura norte-americana no geral e para aquele local em particular.

O que é a América para mim depois de percorridos 97 mil quilómetros (...)? A confirmação de que qualquer resposta será incompleta e de que a literatura - ou o romance - em toda a sua diversidade, ambiguidade e singularidade, é talvez o melhor meio para chegar perto (...).

Confesso que ainda não li quase nenhum dos livros referidos, apesar da maioria estarem na minha lista de livros para ler. São o caso de «Moby Dick» de Herman Melville, de «A piada infinita» de David Foster Wallace, «As vinhas da ira» de John Steinbeck ou dos livros de Cormac McCarthy. Mas há muitas sugestões de livros da literatura norte-americana nas páginas deste livro e uma lista, no final, com as dezenas de livros referidos. Pelo meio, há também algumas entrevistas a escritores e travel logs com apontamentos sobre a viagem.

Sem rodeios, amei este livro. É o jornalismo de reportagem e a literatura de viagens no seu melhor. Gostei tanto que me quis conter a lê-lo para ele durar mais tempo, mas falhei redondamente. E o que fica da leitura deste livro? Bom, além de uma lista maior de livros para ler fica aquilo que, para mim, faz este livro tão bom. Os fragmentos de conversas e de histórias de vida das pessoas que a autora vai encontrando pelo caminho. Histórias de imigração, conversas sobre política (e inevitavelmente sobre Trump) ou sobre a vida do dia-a-dia neste país cheio de contradições.

A partir da uma da manhã e mais ou menos até às cinco, as estações de comboios da América abrem as portas aos sem-abrigo e nesses momentos, naqueles espaços, não cabe a cumplicidade; ela não é suportável. Nessas noites, na Penn Station de Newark, como em muitas outras estações por todo o país, há apenas quem não queira ser visto e quem não queira ver.

Enquanto pesquisava entrevistas com a autora sobre este livro, descobri que está a desenvolver um projeto semelhante pelo Brasil, a viajar pelas suas regiões e pelos seus livros pegando em autores como Érico Veríssimo, Clarice Lispector ou Machado de Assis. O projecto vai ser depois publicado em livro no Brasil e espero que também em Portugal.

A maldição de Hill house de Shirley Jackson: a série e o livro

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A série da netflix «A maldição de Hill house» foi uma das melhores séries que vi em 2018. Fiquei interessada em ler o livro, mas decidi esperar até a história não estar tão fresca. Entretanto, li «Sempre vivemos no castelo» da mesma autora e adorei. Não é um livro de terror clássico, é um livro em que o terror está nas entrelinhas. Shirley não está a tentar assustar o leitor, limita-se a criar um ambiente de suspense à superfície, enquanto esconde tudo o que de mais interessante existe na história em profundidade.

«A maldição de Hill house» não é diferente. Temos um cientisa que investiga casas assombradas e que descobre a casa de Hill house. Envia cartas a diversas pessoas que acha que podem ter interesse no mundo sobrenatural a convidá-las para passarem uma temporada nesta casa (supostamente) assombrada. A história do livro é, por isso, um bocadinho diferente da série da netflix. A partir daqui acompanhamos um grupo de quatro pessoas que não se conhecem a passar um período nesta casa.

Na verdade acho que há várias leituras que se podem fazer deste livro. Podemos vê-lo como uma simples história de terror com uma casa assombrada e um grupo de personagens disfuncionais. Ou podemos vê-lo como uma história sobre depressão. A história que aparece na série da netflix foca-se numa família e é sobre como a depressão de uma mãe afeta os filhos. A história do livro parece-me ser sobre a deteriorização da saúde mental de uma das personagens, a Eleanor. Logo no início, o livro começa assim:

Nenhum organismo vivo pode existir durante muito tempo em condições de realidade absoluta, mantendo a sanidade; (...) o silêncio cobria a madeira e a pedra de Hill house, e o que por lá andasse, andava sozinho.

A casa é descrita como uma casa velha e abandonada mas, ainda assim, perfeitamente normal. Entre os quatro personagens, Eleanor é a única que está sempre presente quando acontece algum fenómeno sobrenatural. Será que não está tudo na cabeça dela? Além disso, sabemos que cuidou da mãe doente durante muitos anos, que teve uma vida difícil e que vê no facto de ter sido escolhida para esta expedição como o melhor momento da sua vida. Mas depois sente-se sempre inferior em relação aos restantes elementos do grupo e o ambiente pesado da casa começa a afetá-la.

Quanto mais lia, mais me convencia que esta não é uma história de fantasmas ou de espíritos mas sim uma história sobre como, às vezes, aquilo que mais devemos temer está dentro de nós. Não é um livro fenomenal, aliás acho esta história inferior à de «Sempre vivemos no castelo» mas, ainda assim, continuo a admirar a forma como Shirley Jackson cria histórias que escondem tudo nas entrelinhas e pretendo continuar a ler tudo o que escreveu.

Frida Kahlo de María Hesse

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O meu interesse por Frida Kahlo vem da exposição de fotografias sobre a pintora que esteve em 2018 no Centro Português de Fotografia no Porto. A exposição percorria a vida da escritora, desde a infância até aos seus últimos dias de vida. Gostei muito e fiquei cheia de vontade de, um dia, conseguir ir ao México e visitar a casa onde estão expostos os seus quadros.

Nos entretantos acabei por comprar este livro de María Hesse. É uma biografia lindíssima ilustrada da vida de Frida Kahlo. Apesar deste livro estar muito longe de ser uma biografia completa é uma boa introdução à sua vida, uma leitura leve e colorida para inspirar e certamente um dos livros mais bonitos que tenho na estante.

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Servant: a série para quem gosta de bons thrillers

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Esta série tem possivelmente a história mais estranha de sempre. Temos um casal - a Dorothy e o Sean - que perdeu um filho bebé. A mulher, pela dificuldade em lidar com a perda, decide arranjar um boneco para substituir o bebé, que trata como se fosse uma criança real. Por isso, decide arranjar uma ama para cuidar dele. A partir do momento em que a ama Leanne entra na história, o ambiente torna-se mais sombrio. Um dia, o marido percebe que, no berço onde antes se deitava o nenuco, há um bebé. De quem é e como é que foi parar àquela casa são as duas perguntas às quais os episódios vão tentando responder.

Servant é uma série que não dá nada de bandeja. Tem uma acção lenta, pontuada por personagens que se vão sucedendo na casa do casal que serve de palco principal da história. Vamos conhecer o estranho tio de Leanne (talvez ainda mais estranho do que a ama), o irmão de Dorothy (interpretado pelo eterno Ron do Harry Potter) e a terapeuta de Dorothy. E vamos esperando, por qualquer coisa que sabemos que está para acontecer mas que não sabemos muito bem o que é.

O certo é que ao longo dos dez episódios de 30 minutos nos vão sendo dadas pistas sobre o rumo que a história está a levar e, por isso, o último episódio acaba por não ser uma surpresa (nem tão bom quanto o episódio nove que é um autêntico murro no estômago). O final é agridoce. Por um lado explica-nos quem é afinal Leanne e de onde vem mas, por outro, deixa muitas questões por responder uma vez que a série vai seguir para uma segunda temporada. Apesar disso, Servant é uma das séries mais bem conseguidas que já vi. Recomendo muito. Podem ver o trailer aqui.