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Ler, escrever e viver

Ler, escrever e viver

A vida no campo: os anos da maturidade de Joel Neto

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Se tivesse de descrever este livro numa palavra seria serenidade. Já tinha lido o primeiro volume destas crónicas (que se chama simplesmente "A vida no campo") e adorei. Mas acho que ainda gosto mais deste segundo volume, não se se por os textos (ou a maioria) serem maiores, se pela forma como está organizado (por estações do ano).

O certo é que fui conquistada logo nas primeiras páginas com o texto sobre a Jasmim, a cadela do autor:

A Jasmim defende, conforta, alerta, apazigua. É a melhor de nós os quatro cá em casa. Sabe sempre qual a necessidade da pessoa (ou do animal) ao lado e faz dessa necessidade a dela - tudo em nome da concórdia. Custa conceber que um bicho possa ter adquirido tanta sabedoria em tão pouco tempo.

A Jasmim salvaria o mundo, se lhe dessem a oportunidade. Às vezes salva-nos a nós.

Joel Neto é açoriano e regressou aos Açores depois de muitos anos a viver em Lisboa. É desse regresso à vida nos Açores e às pessoas dos Açores que resultaram estas crónicas. Tenho gostado muito de ler os livros do Joel Neto nos últimos anos, a começar pelo «Arquipélago» que se tornou num dos meus livros preferidos de autores portugueses, passando pelos dois volumes destas crónicas. Se ainda não leram nada deste autor, estão a perder qualquer coisa de muito bom.

Pessoas normais de Sally Rooney

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«Pessoas normais» de Sally Rooney segue a história de Marianne e Connell que cresceram numa pequena cidade da Irlanda. As semelhanças terminam aqui. Enquanto Connell é popular no liceu, Marianne é solitária e mantém-se sempre à margem. Ao longo deste livro, acompanhamos a relação destes dois personagens ao longo dos quatro anos que se seguem, desde o liceu até ao fim da universidade.

Tive sentimentos contraditórios em relação a este livro. Se, por um lado, retrata uma relação onde as pessoas vão acertando e falhando aos poucos e, portanto, muito real. Por outro, estas personagens são tão imperfeitas como todos nós. O que significa que, às vezes, damos por nós a meio do livro a ver um dos personagens lidar com um problema ou uma frustração ou a cometer um erro que já tinha acontecido num dos primeiros capítulos e quase nos apetece entrar na história só para lhe dar um abanão e explicar, aos berros, que já fez aquilo há muitas páginas atrás e o resultado foi mau.

As frustrações e o medos das personagens tornam-se os nossos medos e as nossas frustrações porque, no fundo, já o eram antes de conhecermos esta história. As relações familiares, por vezes, complicadas e dolorosas, o medo de não correspondermos às expectativas dos outros e às nossas, o medo do que vem a seguir na nossa vida e no mundo, o medo do que os outros podem pensar de nós se fizermos isto ou aquilo. Está tudo neste livro cujo ponto forte é, de longe, os diálogos entre os dois personagens principais. Há outras personagens nesta história mas o livro nunca se perde demasiado neles porque o importante é a história de Connell e Marianne.

Nunca li nada semelhante a este livro, por isso, percebo perfeitamente o fascínio que esta história tem causado. Nalguns pontos, lembrou-me o filme "500 days of summer" e a história de "Um dia" de David Nicholls (não li o livro, só vi o filme). Mas esta é uma história mais real e menos romanciada. No entanto, se gostam desse género de histórias, acho que vão gostar bastante deste livro.

Lá, onde o vento chora de Delia Owens

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vivi num mangue, ou pantanal, durante três meses no Brasil há uns anos atrás. À primeira vista, parece simplesmente o sítio onde a terra encontra o mar, com água suja e sem vida. Mas rapidamente descobri que era, na realidade, um sítio cheio de vida. Com pessoas que viviam em cabanas junto ao mangue, que tomavam banho no mangue, que viviam do peixe que pescavam de madrugada em barquinhos sem motor e que vendiam à beira da estrada. Que havia garças e gaivotas e urubus que se regiam pelos seus próprios ciclos e que iam aparecendo e desaparecendo da casa flutuante onde vivíamos.

Foi por isso que, quando li que "Lá, onde o vento chora", o livro de Delia Owens que está a fazer tanto sucesso que vai ser adaptado a filme falava sobre uma miúda a viver num pantanal, soube que tinha de o ler.

O livro segue a história de Kya, uma miuda que é abandonada por toda a família e que acaba a viver sozinha numa cabana no pantanal. Aprende a ler a natureza, a reger-se pelos seus ciclos e a fugir, como um animal selvagem das assistentes sociais. Vamos acompanhando o crescimento de Kya desde criança a mulher adulta e, ao longo do tempo, o preconceito das pessoas em relação à "miúda do pantanal" vai crescendo. Não é, por isso, de estranhar que quando um dos homens mais importantes da aldeia aparece morto, Kya seja considerada a principal suspeita.

Com as expectativas altas que tinha para este livro, seria de esperar que ficasse desiludida. Mas não, há de tudo por aqui. Há o crescimento de uma personagem, que se vai tornando cada vez mais isolada, há uma história de amor e um crime. Como se tudo isto não bastasse, Delia trabalhou como cientista da vida selvagem e, por isso, há muitas descrições das espécies que habitam o pantanal, de como vivem e de como se reproduzem. Li-o em três dias porque não conseguia parar de ler e dei-lhe 5 estrelas (mais do que merecidas) no goodreads. Mas este não é um livro para todos. Tem um ritmo lento, descritivo, em que a acção está mais concentrada para os capítulos finais. Pela minha parte, foi um dos melhores livros que li este ano. E que inveja de quem o vai ler pela primeira vez...

Sempre vivemos no castelo de Shirley Jackson

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É o primeiro livro que leio de Shirley Jackson e não estava preparada para esta surpresa. É um livro que começa sem se dar por ele, a contar a história da família Blackwood que vive numa casa que é descrita como se fosse quase um palácio, numa vila como tantas outras. Da família restam duas irmãs e um tio. Aprendemos logo nas primeiras páginas que os restantes membros foram envenenados num jantar. Uma das irmãs foi acusada do envenenamento e ilibado. No entanto, ainda hoje os aldeões acreditam que seja culpada. Será?

É este o mote para uma história onde a tensão vai crescendo aos poucos. Na verdade, acho que Shirley faz isto melhor do que qualquer outro escritor que já tenha lido, fazer a tensão crescer até não conseguirmos mesmo deixar de virar as páginas freneticamente para saber o que vai, afinal, ser o final desta história. Não sendo surpreendente, manteve a tensão e a complexidade da história. 

A única crítica que tenho é que acho que no final o livro se prolonga algumas páginas (poucas) mais do que seria necessário, mas de resto, adorei e recomendo.

Já vi a série baseada na "Maldição de Hill house", outro livro da autora e gostei muito mas, já sabendo a história, não pretendo ler o livro. Gostava de ler este livro de contos, principalmente o da lotaria, que foi lançado há pouco tempo em Portugal.