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Livros, viagens e tudo o que nos acrescenta

Quando ler se torna uma frustração

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Quando temos o hábito de ler passamos sempre por fases em que a leitura não flui. Escolhemos um livro, começamos a ler mas passadas poucas páginas desistimos. Tentamos outro e acontece o mesmo. Às tantas, a frustração vai crescendo e o hábito de ler vai-se perdendo. Tenho andado numa fase assim e deparei-me com este post de uma entrevista do Gonçalo Miguel Tavares ao Expresso:

É triste olhar para os livros e pensar que são quase todos iguais, quando há uma infinidade de possibilidades. Isso é de uma pobreza e também reflete um cansaço. Os leitores estão cansados, as pessoas trabalham muito, têm vidas duras e há uma literatura para cansados, para pessoas que vêm do trabalho e que querem ler um livro como quem quer ter uma massagem ao final do dia. Mas a função da arte e da literatura não é descansar. É acordar, perturbar, refletir. Não deveríamos ver arte ou ler livros quando estamos cansados. A literatura e a arte exigem muito de nós.

Tenho uma série de livros para ler que sei que exigem uma disponibilidade mental que, neste momento, não tenho e que, por isso, estão guardados na estante para ler mais tarde. Mas também não gosto de não ler. Por isso, acho que nos resta aproveitar as fases mais complicadas para ler livros mais leves, que não exigem tanto de nós ou para reler livros que já conhecemos e que nos fazem sentir em casa, ou para investir naquele thriller que nos agarra da primeira à última página e que não conseguimos pousar. Enfim, ler o livro certo na altura certa faz toda a diferença. Por isso, deixo a pergunta: quais os livros que lêem quando não vos apetece ler?

O que vos faz dar 5 estrelas a um livro?

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A pergunta foi feita pela goodreads aos leitores que usam a plataforma. Para quem não conhece, o goodreads é uma espécie de rede social de livros onde podem adicionar todos os livros que lêem, fazer reviews sobre os mesmos e dar estrelas (de um a cinco) a cada um. Por isso, um dia destes, o goodreads perguntava aos seus leitores o que os faz dar 5 estrelas a um livro. E hoje, no dia Mundial do livro, trouxe algumas dessas respostas:

"I couldn't put it down and was sad when it was done. A five-star book should pull you in and refuse to let you go," says Nathaniel. 

"I want to read it again…and again…and again," says Denise.

"I didn't guess the ending," says Claire. 

"I forgot to sleep, eat, and everything else until I finished it," says Nenad.

"I was living the book, not just reading it," says Susan.

Respostas muito diferentes. À partida acho que cada leitor terá as suas razões para dar cinco estrelas a um livro. Quando começamos a ler um livro levamos connosco todos os livros que já lemos, mas também as nossas experiências de vida e a nossa disposição naquele momento, para aquele livro. Nem todos os livros foram feitos para todos os leitores. E, muitas vezes, ler o livro certo no momento certo faz toda a diferença.

 

Olhando para os meus livros no goodreads, eis alguns a que dei 5 estrelas e porquê:

A tetralogia de Elena Ferrante - Pela densidade de histórias que envolve os personagens e pela relação entre Lila e Lenú. Revi-me nalguns traços das duas.

O diário de Anne Frank - Li na adolescência e marcou-me muito.

Born a crime de Trevor Noah - Um dos melhores livros que já li. É um livro escrito com humor sobre o appartheid, uma combinação difícil que resultou muito bem.

A saga Harry Potter - Porque são livros que me trazem conforto e que gosto de reler quando preciso.

 

Enfim, há (felizmente) muitos outros e acho que, em cada caso, dei 5 estrelas por razões diferentes.

E vocês, o que vos faz dar 5 estrelas a um livro?

Desaparecer na escuridão de Michelle McNamara

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Esta é uma história de teimosia desmedida. É a história de como Michelle McNamara, autora de um blog e de artigos sobre crimes não resolvidos, se tornou obcecada com um criminoso em particular. O golden state killer. Este homem foi um violador e assassino em série na Califórnia dos anos 70 e 80. Em 86, da mesma forma súbita como tinha aparecido uns anos antes, desapareceu na escuridão. A história depois disso é a parte menos interessante de todas as séries policiais, uma sucessão de pistas falsas e de polícias reformados que aproveitam o tempo livre para rever o caso pela centésima vez, sem chegar a lado nenhum.

 

Desde que Michelle pôs os olhos nos crimes do golden state killer que não desistiu. Entrevistou polícias, reuniu provas e depoimentos. Tornou-se obcecada de uma maneira nada saudável em chegar à solução do mistério. À última peça do puzzle. Infelizmente, Michelle morreu em 2016, em parte por causa desta obsessão. O livro estava a meio e foi terminado por mais duas pessoas igualmente obstinadas em resolver este caso. A sua publicação despertou o interesse público no caso e levou a que houvesse investimento para a sua resolução.

 

O ano passado, em 2018, um criminologista que foi entrevistado por Michelle para o livro teve uma ideia genial. Enviou o ADN recolhido numa cena do crime e enviou-o para sites como o ancestry que faz algo parecido com o conhecido DNA journey da momondo e determina as áreas geográficas de origem de um conjunto de genes, mas também procura possíveis familiares. Basicamente, este criminologista obteve uma lista de indivíduos que faziam parte da árvore genealógica do criminoso (partilhavam alguns marcadores genéticos). Foi a partir dessa lista que se conseguiu chegar à última peça do puzzle. O golden state killer vivia impavidamente muito próximo da zona de muitos dos crimes que cometeu.

Um dia destes vais ouvir um carro estacionar junto ao passeio, o motor a desligar. (...) A campainha toca. (...) Para ti, a história termina assim.

"Tu calar-te-ás para sempre e eu vou desaparecer na escuridão", ameaçaste uma vítima certa vez.

Abre a porta. Mostra-nos o teu rosto.

Caminha em direção à luz.

Li «Desaparecer na escuridão» em duas ou três noites. Por um lado, porque não conseguia parar de ler. Por outro, porque me deu insónias. É um livro que recomendo muito se gostam de thrillers e de policiais mas que impressiona por ser tudo tão macabro e real.

 

Para quem tiver lido o livro e sentir um certo impulso de continuar a história para além das páginas ficam aqui alguns vídeos:

A história do Golden State Killer no crime watch daily (explora a identidade dele e as opiniões que vizinhos e conhecidos tinham sobre ele.).

Uma entrevista do marido de Michelle, o comediante Patton Oswalt, sobre o luto da mulher no programa do Stephen Colbert.

The alienist: os primórdios da psicologia e do feminismo

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Os blogs também servem para isto, para descobrirmos e trocarmos sugestões. Foi o que me aconteceu com esta série. Descobri esta série neste post e vi os oito episódios em poucos dias. O alienista é uma série baseada no livro de Caleb Carr com o mesmo nome. A história é simples. Um ilustrador e um psicólogo investigam um serial killer na Nova Iorque do final do século dezanove. A eles junta-se Sara Howard (personagem interpretada por Dakota Fanning) é a primeira mulher contratada pela polícia de Nova Iorque.

 

O que torna a série interessante é abordar a investigação de um serial killer numa altura em que a psicologia, em que a criação de um perfil psicológico para um assassino é um conceito inovador e, para muitos, absurdo. Infelizmente, também aborda um período em que ter uma mulher a trabalhar na polícia é um conceito igualmente absurdo. Para mim, são estes dois elementos que tornam esta série uma das séries policiais mais interessantes que já vi. Já foi confirmada para segunda temporada.

Trailer aqui.

Estou viva, estou viva, estou viva de Maggie O'Farrell

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Em «Estou viva, estou viva, estou viva» Maggie O’Farrell escreve sobre 17 experiências de quase-morte. Em cada capítulo, Maggie abre-nos uma janela de um momento da sua vida e partilha uma doença de infância, um encontro assustador num local isolado, um parto arriscado, entre outras experiências.

“Não há nada de único ou especial em experiências de quase-morte. Não são raras; toda a gente, diria eu, já as teve, a dado momento das suas vidas, talvez sem sequer se aperceberem. (…) Estamos, todos nós, a deambular num estado de ignorância inocente, a pedir tempo emprestado, a aproveitar os dias, a escapar aos destinos, a escapar por uma nesga, sem saber quando será dado o golpe. Como escreve Thomas Hardy: «Havia outra data… a  da sua própria morte; um dia que se ocultava, invisível, entre todos os outros dias do ano, sem dar sinal ou fazer som quando ela passava por ele, a cada ano; e ainda assim estava inteiramente presente. Quando seria?»”

Além de ser um livro fluido que dá muito gosto ler, esta edição da Elsinore tem uma capa maravilhosa. Cada capítulo é introduzido por uma ilustração anatómica da parte do corpo relacionada com aquela experiência em particular. Gostei tanto de o ler que a única crítica que tenho é que não o consegui largar e estas 250 páginas passaram completamente a voar pelas minhas mãos.

 

Acho que é difícil não nos relacionarmos com este livro. Todos nós já passámos por um mergulho no mar que poderia ter corrido muito pior ou um acidente de carro que ainda hoje nem sabemos como não acabou mal… Podemos ter passado por mais ou menos experiências assim e ler este livro é, não só relacionarmo-nos com algumas das experiências de Maggie, mas também revivermos as nossas. O ponto comum é que somos todos humanos. Mortais. Pessoas que, de uma forma ou de outra, não passam pela vida sem ter de lidar com a sua própria mortalidade. E, sempre que uma experiência destas nos atinge e saímos ilesos sabemos que tivemos uma sorte do caraças. Estamos vivos, estamos vivos, estamos vivos.