Há umas semanas vi este vídeo sobre Harry Potter que toca num ponto sensível para muita gente. E se Hogwarts não passou de um produto da imaginação de Harry? E se, na verdade, Harry nunca deixou aquele quarto minúsculo na casa dos tios? O vídeo mostra uma entrevista com J.K.Rowling onde ela confessa que pensou muitas vezes nisso. Enquanto o via, também me lembrei daquele momento no último filme, em que Harry pergunta a Dumbledore se o sonho que está a ter é produto da sua imaginação. A resposta: Of course it is happening inside your head, Harry, but why on earth should that mean that it is not real?
Como é que isto nos leva até "Anne with an E"? Muito simples. Esta série da netflix, adaptada dos livros de Lucy Maud Montgomery, é uma ode à imaginação. A personagem principal, Anne, é uma orfã adoptada por dois irmãos de Green Gables, para onde vai viver. Anne vive no mundo real, mas também nos inúmeros mundos imaginários que existem dentro da sua cabeça.
Tinha estado a ler, mas o livro escorregara-lhe para o chão, e agora sonhava, com um sorriso nos lábios entreabertos. A sua imaginação viva arquitetava castelos no ar; no seu mundo imaginário decorriam aventuras maravilhosas e deliciosas, aventuras que terminavam sempre triunfalmente e nunca a envolviam em complicações, como as da vida real.
Sei que muita gente não gosta que se mude a ordem natural das coisas mas tal como já fiz para Orange is the new black e The handmaid's tale, começei por ver a série e só depois li o livro. Quando acabamos de ver uma série de que gostamos muito há uma sensação agridoce. A minha solução passa por continuar a explorar aquela história no livro (se existir). Até agora, só me tenho surpreendido pela positiva. E "Anne with an E" (ou "Anne das empenas verdes" na tradução da Relógio d'Água) não foi exceção.
Adorei a série, que tem personagens bem construídos, cenários maravilhosas e é uma adaptação muito bem conseguida da história original. Mas gostei ainda mais do livro. Começei por dar 4 estrelas no goodreads mas, como acontece com os bons livros, percebi que algumas semanas depois de o ter terminado ainda estava a pensar nele. E mudei para 5 estrelas. No final reli todas as passagens que marquei e deixo aqui duas preferidas:
Sobre a(s) pessoa(s) que somos:
Há em mim uma porção de Anne distintas. Às vezes penso que é por isso mesmo que sou uma pessoa tão difícil. Se houvesse uma Anne só, seria muito mais cómodo, embora não tivesse metade da graça.
Sobre o luto:
Hoje (...) dei comigo a rir. Quando aquilo aconteceu julguei que nunca mais fosse capaz de rir. E, não sei porquê, tenho a impressão de que não devia. Desagrada-nos o pensamento de que qualquer coisa nos possa agradar quando alguém a quem amámos já não está connosco para partilhar esse prazer, e sentimo-nos quase que infiéis à nossa dor quando descobrimos que voltamos a ter interesse pela vida.
Recomendo muito. Este é um daqueles livros que vou guardar porque sei que vou querer reler.