Pequenos fogos em todo o lado de Celeste Ng
Comecei a ler «Pequenos fogos em todo o lado» sabendo muito pouco da história. O livro começa pelo fim. Um incêndio numa casa de família, ateado com vários pequenos fogos em todo o lado numa comunidade de Shakers.
Não sabia, mas os Shakers foram uma seita cristã fundada em Inglaterra no séc. XVIII. Neste caso, os criadores da cidade onde se passa esta história inspiraram-se nos seus princípios de perfecionismo e ordem. Uma comunidade utópica onde todas as pessoas seguem as mesmas regras, sem desvios, todas as casas são iguais, habitadas por famílias semelhantes com empregos dentro da norma.
Shaker Heights, apesar do seu idealismo, era um lugar pragmático, e ela não sabia como ser diferente. Uma vida inteira de reflexões práticas e confortáveis abateu-se sobre a centelha dentro dela como um cobertor espesso e pesado.
Além da obsessão pela ordem, o mais interessante que descobri sobre os Shakers é que priorizaram a igualdade de género, com muitas mulheres em cargos de poder dentro da comunidade. E estamos a falar de comunidades do séc. XVIII!
É para esta cidade que se mudam uma mãe fotógrafa e a sua filha adolescente. A história desenrola-se deste ponto até ao incêndio com o ritmo de uma série. Somos acostumados aos poucos com as personagens e o mistério vai-se adensando, deixando-nos incapazes de pousar o livro sem saber como chegámos ao incêndio da primeira página.
O incêndio marca todo o livro, literal e metaforicamente, já que a autora parece brincar com os personagens da mesma forma, criando pequenos fogos nas suas relações que o leitor fica a ver arder ao longo das páginas.
Todos nós fazemos coisas que lamentamos de vez em quando e que teremos de levar para sempre dentro de nós.
Foi uma grande surpresa este livro, que não foi nada do que esperava, mas que recomendo muito. É apenas o segundo livro da autora (podem ver aqui a entrevista que deu ao público) e está a ser adaptado para uma mini-série.