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Ler, escrever e viver

Ler, escrever e viver

Vale a pena seguir os sonhos?

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Conversava no outro dia com uma amiga que tem uma colega de faculdade de quem não gosta particularmente. Basicamente, ela sente que a amiga a deita constantemente abaixo, exaltado os seus próprios feitos e criticando os dela (e de outros colegas). Eu disse que percebia. Na verdade, já fui assim. Entretanto, percebi que as notas e o sucesso profissional não fazem de nós mais do que os outros. Há tantas coisas mais importantes: saber ouvir, ser curioso e interessado pelo mundo em que vivemos, seguir as coisas que nos fazem felizes (mesmo que como hobbies) porque nos levam a sítios (e a perspectivas) que jamais teríamos imaginado.

Entretanto, li este texto (é longo e em inglês mas recomendo vivamente) e percebi que é muito mais do que isso. Esta ideia que temos (e que é muito imposta pela sociedade) de que se seguirmos os nossos sonhos, por muito irreais que sejam, chegamos à felicidade é absurda. Muitas vezes, um sonho não passa de uma imagem bonita de um resultado final ideal. Uma meta qualquer que achamos que, quando atingida, nos traz todo o reconhecimento alheio e a felicidade interna. Ora, isto é mentira.

O paradoxo de Marilyn Manson

No texto que referi, Mark dá o exemplo de Marilyn Manson que terminou um dos seus álbuns com a seguinte frase: “When all of your wishes are granted, many of your dreams will be destroyed”. O significado? Manson explica que depois de ter atingido todos os seus objetivos profissionais se sentia mais miserável do que nunca. Que o stress e os problemas da profissão eram maiores do que alguma vez tinha imaginado.

Mas a frase de Manson levanta também outra questão - a de que quando deixamos de nos definir unicamente pela profissão que temos, quando temos outras coisas na nossa vida, os sonhos se desvanescem. É que, muitas vezes, não passam de uma realidade paralela que nos ajuda a escapar da nossa própria vida.

 

A montanha

A verdade é que o sonho é uma imagem do momento em que chegamos ao topo da montanha e colocamos a bandeira no solo. Mas até lá, há toda uma caminhada pela frente. Os sonhos embatem na realidade e trazem consigo frustrações, medos, ansiedade e derrotas. Ter o emprego com que sonhamos, a relação amorosa que idealizamos, a casa perfeita, o estilo de vida ideal são tudo sonhos que trazem, para a nossa vida, os seus próprios problemas.

Estava a conduzir e a pensar em tudo isto quando a música «The climb» de Miley Cyrus passou no rádio. A letra tem os seguintes versos:

Ain't about how fast I get there

Ain't about what's waiting on the other side

It's the climb

Já vos aconteceu quererem muito uma coisa, começarem a praticar para a colocar em prática e perder o interesse pouco depois? É que o processo é muito mais importante do que o resultado final. É onde está todo o trabalho e, no fundo, onde gastamos muito tempo da nossa vida. Se não gostarmos do processo, será que o sonho vale a pena? Ou seremos como Manson a chegar, miseráveis, ao topo da montanha?

Isto quer dizer que não devemos seguir os nossos sonhos? Não, nada disso. Simplesmente, temos de nos lembrar que nem sempre queremos aquilo com que sonhamos. Muitas vezes, é só um caminho que gostamos de imaginar mas que não queremos, na verdade, percorrer. E tudo bem com isso.

Lobos ao Crepúsculo

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Nem sempre é fácil ver os lobos no CRLI (Centro de Recuperação do Lobo Ibérico) que fica ali para os lados da Tapada de Mafra. Este centro é um santuário que recebe animais de outros locais que ficam sem espaço para eles e de pessoas que acharam boa ideia ter uma cria de lobo em casa e mudaram de opinião quando a cria se transformou num lobo adulto.

Mas dizia eu que nem sempre é fácil vê-los. São noturnos e, como vivem neste centro para o resto da vida (não podem ser devolvidos à natureza porque não iam sobreviver) as instalações são enormes e cheias de vegetação, o que é ótimo para os animais, mas torna mais difícil observá-los.

Quando vi que o centro estava a organizar visitas ao crepúsculo durante o Verão, lá fui, na esperança de que, sendo mais tarde, fosse possível ver alguns lobos. Pouco depois da visita guiada ter começado já estávamos a olhar para um casal de lobos à nossa frente. Uma fêmea sentada, sem qualquer receio, e um macho, mais tímido atrás dela. Não fazia ideia que os lobos se confundissem tanto com a vegetação.

Foi anoitecendo e estava um pouco mais difícil ver os animais. O guia falava em frente ao grupo e de costas para uma das instalações quando “espera, aquilo é um lobo?”. Uma sombra em forma de lobo, grande (bem maior do que um cão) se aproxima da vedação. Quando está mesmo à nossa frente, levanta a cabeça na nossa direção e olha-nos por um longo momento, decide que não somos importantes (imagino eu) e vira as costas. “Espera, está ali outro”. Estes dois lobos são irmãos e jovens, ficam a brincar um com o outro a escassos metros de nós. “É de noite e, por isso, ficam muito mais confortáveis, mesmo com pessoas aqui” explica o guia.

Não sei quanto tempo durou este momento, mas pareceu muito longo. Dois lobos a brincar, duas sombras a mexer-se na escuridão. Se não soubesse que estavam ali, jamais os conseguiria descobrir. Por isso, até desconfiei das histórias da minha avó sobre os lobos que via em Trás-os-Montes há décadas atrás e que comiam o gado. “Mas conseguias mesmo vê-los? De noite?” “Sim”. A verdade é que nessa altura havia muito mais lobos pelo norte (e em Espanha) e, por isso, também é normal que se aproximassem mais das pessoas, para chegar ao gado.

Hoje em dia, o grupo lobo tem uma série de medidas para estas interações não acontecerem, como o treino de cães pastores que depois são oferecidos a quem precisa. Assim, os lobos aproximam-se muito menos e os que ainda existem por Portugal podem viver pacificamente num ambiente partilhado com pessoas.

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Mais sobre o CRLI aqui.

A cura para tudo: um bom livro e chocolate

O ano passado passei um mês a viver num parque de campismo para um projeto de voluntariado. No dia em que cheguei, sem saber o que esperar e assustada com a perspetiva daquela experiência ter sido uma péssima ideia, conheci a Mathilda. Uma rapariga francesa que estava no parque, sentada numa cadeira de madeira, com um livro na mão e um gato bebé no colo.

- Que mais é preciso? – disse ela. Foi nesse momento que todos os meus receios se evaporaram, tinha sido uma ótima ideia. Para além disso, um dos rapazes do acampamento (um holandês) sabia fazer um bolo de chocolate para campismo. Como assim? Bom, não vai ao forno, não precisa de batedeira e não dá trabalho nenhum. Não há vez em que faça este bolo que não me lembre daquelas pessoas, dos livros que li por ali (como este) e dos (muitos) gatos bebés do parque. Por isso, aqui fica uma sugestão de um bom livro e um bom e fácil bolo de chocolate (para campismo).

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«A insustentável leveza do ser» de Milan Kundera

Queria ler «A insustentável leveza do ser» de Milan Kundera há muito tempo. Por isso, quando o vi em segunda mão numa feira de Verão não resisti. A primeira vez que o abri na praia reparei que tinha algumas passagens sublinhadas a lápis. Algo que me podia ter feito arrepender de ter comprado aquele exemplar, deixou-me curiosa. “Quem é que leu este livro antes?” “Porquê que sublinharam esta passagem?” Sinto que li o livro duas vezes, pelos meus olhos e pelos sublinhados da pessoa que o leu antes de mim.

Neste livro, o autor cria quatro personagens principais – Tereza e Tomas, Sabina e Franz – e explora as relações entre si numa Checoslováquia marcada pelo comunismo. A narrativa gira em torno da questão: peso ou leveza? Liberdade (leveza) ou responsabilidade (peso)?

Não queria cair em clichés, mas o livro é maravilhoso. Logo nas primeiras páginas, percebi que ia ser um dos preferidos de sempre e não estava enganada. É um livro que nos faz questionar a cada página e que mexe com as certezas que achamos que temos sobre a vida, o destino e as coincidências.

… a vida humana só acontece uma vez e nunca podemos verificar qual era a boa e qual era a má decisão porque, em toda e qualquer situação, só podemos decidir uma vez. Não nos é concedida nem uma segunda, nem uma terceira, nem uma quarta vida para podermos comparar as diversas decisões.

O livro fala bastante sobre as nossas possibilidades não realizadas. Talvez uma das realidades mais duras da vida. Tudo aquilo que não podemos ser, que não escolhemos, que não fizemos, porque simplesmente a vida não dá para tudo. Aliás, o próprio autor refere que as personagens que cria são os seus próprios “e se”. E acredito que um dos grandes benefícios de ler é podermos experimentar uma vida que não nos pertence através de personagens que nos inspiram.

No final, há resposta para a pergunta: peso ou leveza? Mas é a resposta de uma das personagens para a questão, que pode ou não coincidir com a nossa.

 

O bolo

- ½ lata de leite condensado

- ½ pacote de bolachas maria

- 150 gramas de chocolate negro em tablete

- 125 gramas de manteiga

Faz-se assim: Derrete-se o chocolate em banho-maria junto com a manteiga e mistura-se os dois. Depois acrescenta-se e mistura-se o leite condensado. Partem-se as bolachas em pequenos pedaços e mistura-se com o restante. Vai ao frigorífico durante uma hora (no mínimo) até ficar rijo.

Depois são livres de o comer como quiserem. Se eu fosse a vocês, pegava num bom livro :)